Em tempos nos quais as comédias românticas clássicas se tornam cada vez mais escassas, diluídas num cenário cinematográfico saturado por franquias intermináveis e narrativas emocionalmente estéreis, a chegada de uma produção como “O Livro do Amor”, dirigida com descontração pela mexicana Analeine Cal y Mayor, é digna de atenção. Embora distante da perfeição, o filme oferece uma pausa bem-vinda em meio à rotina, aproveitando-se com inteligência do velho mantra de que “sexo vende” para explorar o humor e o romance de forma leve, porém surpreendentemente consciente.
No centro da trama está Henry Copper, um escritor britânico interpretado com agradável ironia por Sam Claflin, cujo romance inicial, intitulado “The Sensible Heart”, fracassa de forma tão constrangedora que até promoções desesperadas em livrarias não conseguem movimentar seu estoque. Orgulhoso da absoluta falta de erotismo em sua obra, Henry é o retrato perfeito do intelectual reprimido, citando frases sobre castidade como um mantra. Contudo, uma inesperada virada ocorre quando o mesmo livro, traduzido para o espanhol, torna-se um fenômeno literário no México. Intrigado, Henry parte em uma improvisada turnê promocional, sem perceber que seu sucesso nada tem a ver com o texto original, mas sim com as ousadas alterações feitas por sua tradutora mexicana, Maria Rodriguez (Verónica Echegui), que transformou a insossa narrativa original numa explosiva fantasia erótica digna dos best-sellers contemporâneos mais provocantes.
A descoberta dessa drástica transformação leva o filme a explorar um terreno fértil para o humor, destacando não apenas a reação divertida e contida do britânico Henry diante de fãs entusiasmadas, mas também a dinâmica tensa entre ele e Maria. A química inicial entre os protagonistas é, propositadamente, quase inexistente, e a diretora conduz sabiamente essa oposição entre duas pessoas vindas de realidades completamente diferentes. Henry é o exemplo do escritor acomodado na própria mediocridade, beneficiado por privilégios sociais que nunca questionou, enquanto Maria é retratada como uma mulher multifacetada, mãe solteira batalhadora, talentosa e criativa, cujo esforço constante raramente é recompensado à altura de suas capacidades. O filme, nesse aspecto, oferece mais do que o entretenimento leve que aparenta à primeira vista, promovendo uma reflexão crítica sobre o privilégio masculino e racial, sem jamais recorrer a um tom excessivamente didático.
A jornada de Henry e Maria pelo México, acompanhados por um grupo excêntrico formado pelo avô de Maria, seu filho Diego, e Pedro, o editor local extravagante, rende diversas situações cômicas, ainda que às vezes beirem o absurdo. Clichês típicos do gênero, como o inevitável pneu furado numa estrada remota, são tratados com bom-humor e irreverência, mesmo quando fogem completamente da lógica narrativa. Os roteiristas, Analeine Cal y Mayor e David Quantick, embora não sejam especialmente afiados em diálogos espirituosos dignos das melhores screwball comedies, conseguem desenvolver com competência e sensibilidade a aproximação gradual do casal central, permitindo que a tensão romântica se construa de maneira natural e convincente, algo raro nas produções atuais do gênero.
Entretanto, o filme tropeça ao inserir elementos secundários pouco aproveitados, como Antonio (Horacio García Rojas), o ex-companheiro músico de Maria, cujo papel como rival amoroso soa superficial e desnecessário. Da mesma forma, a representante editorial de Henry, Jen (Lucy Punch), surge mais como uma caricatura apressada da indústria literária do que como uma personagem crível. Apesar disso, as atuações centrais de Claflin e Echegui sustentam eficazmente o filme, com o primeiro trazendo nuances de charme britânico à la Hugh Grant, enquanto Echegui imprime uma autenticidade calorosa e moderna, recusando-se a cair em estereótipos comuns relacionados à cultura mexicana.
Visualmente, “O Livro do Amor” captura com eficiência o colorido vibrante e a energia solar do México, proporcionando um prazer visual que contribui significativamente para a sensação de leveza e conforto da narrativa. O contraste entre a rigidez britânica e a espontaneidade mexicana é explorado sem cair em simplificações culturais óbvias, algo que merece reconhecimento especial por parte da direção.
Mesmo com suas imperfeições evidentes, “O Livro do Amor” é uma bem-sucedida defesa do romance como gênero relevante, digno de apreciação séria, capaz de tratar temas sociais importantes sem sacrificar a diversão. A decisão do filme de celebrar o melodrama e as novelas mexicanas como formas legítimas de expressão artística não é apenas uma homenagem, mas também um posicionamento crítico contra o preconceito cultural e de gênero, ainda muito presente na indústria literária e cinematográfica.
No fim, a produção de Analeine Cal y Mayor cumpre bem sua proposta de entreter e, ao mesmo tempo, questionar convenções sociais profundamente enraizadas. Pode não se tornar um clássico instantâneo, nem possuir a profundidade dramática das melhores obras do gênero, mas é exatamente por sua modéstia, por seu equilíbrio entre fantasia romântica e realidade cotidiana, que se destaca em meio ao atual cenário cinematográfico. Talvez seja disso que precisamos no momento: filmes que nos permitam rir, refletir e acreditar, mesmo que por pouco tempo, que o amor e o desejo ainda são capazes de transformar não só páginas escritas, mas também as narrativas das nossas próprias vidas.
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