Na essência de “Elefante Branco”, Pablo Trapero compõe um retrato sem concessões da desigualdade social e da fragilidade das instituições, ambientado na favela Villa Virgen, nos arredores de Buenos Aires. O cenário de miséria, onde a marginalidade se entrelaça ao cotidiano, serve de pano de fundo para uma narrativa que evita maniqueísmos e paternalismos, apresentando seus personagens com uma densidade que transcende estereótipos. O título faz referência ao hospital abandonado que domina a paisagem e simboliza tanto a promessa fracassada do Estado quanto a impotência de qualquer iniciativa isolada diante do colapso social.
A história se desenrola a partir da relação entre os padres Julián (Ricardo Darín) e Nicolás (Jérémie Renier), religiosos de trajetórias distintas, mas unidos pelo compromisso com a comunidade. Julián, veterano na luta por melhorias estruturais, enfrenta o desgaste de anos de batalhas infrutíferas e uma doença que avança silenciosa. Nicolás, por sua vez, carrega as marcas de uma experiência traumática em uma missão na selva peruana, e sua chegada à favela o coloca diante de dilemas que minam sua convicção religiosa. Entre eles, Luciana (Martina Gusman), uma assistente social combativa, personifica a intersecção entre a prática assistencial e o idealismo, aproximando Nicolás de um conflito moral e afetivo que desafia sua identidade sacerdotal.
A cinematografia de Guillermo Nieto enfatiza a aridez da realidade retratada, capturando com crueza as vielas impregnadas de violência, onde o Estado se faz presente apenas na repressão policial. O filme não estetiza a pobreza nem romantiza o sofrimento; em vez disso, apresenta um olhar despojado de sentimentalismo, no qual cada escolha visual reforça a opressão estrutural e a ausência de saídas viáveis para aqueles que habitam esse espaço. A tensão cresce à medida que os conflitos entre os traficantes e a comunidade se tornam insustentáveis, expondo a precariedade das redes de apoio e a erosão das esperanças.
O roteiro, assinado por Trapero em parceria com Martín Mauregui, Alejandro Fadel e Santiago Mitre, equilibra a dimensão social e o drama pessoal sem reduzi-los a meros dispositivos narrativos. As angústias dos protagonistas são conduzidas com profundidade, e suas escolhas carregam um peso palpável, além da simples oposição entre resistência e resignação. Diferente de produções que recorrem a estilizações exacerbadas para tratar da violência urbana, “Elefante Branco” aposta na sobriedade como instrumento de impacto. O realismo conduz a narrativa sem didatismo ou panfletarismo, permitindo que o espectador absorva a complexidade dos dilemas expostos.
A trilha sonora de Michael Nyman, ainda que sofisticada, cria um contraste que nem sempre favorece a imersão, sugerindo uma grandiosidade que por vezes destoa da simplicidade crua das imagens. No entanto, o desempenho do elenco compensa qualquer dissonância. Ricardo Darín entrega uma atuação de grande intensidade contida, conferindo ao seu Julián uma carga emocional que dispensa excessos. Seu personagem carrega a exaustão de quem luta sem ilusões, mas também a convicção de que desistir não é uma opção. Jérémie Renier confere a Nicolás uma vulnerabilidade que se torna cada vez mais evidente conforme sua crise interior se intensifica, enquanto Martina Gusman imprime a Luciana a firmeza necessária para equilibrar as forças que tensionam a narrativa.
Longe de oferecer soluções ou de buscar um desfecho conciliatório, “Elefante Branco” expõe a perpetuação da exclusão e a falácia das promessas de redenção. O filme reflete a falência das instituições, incluindo a própria Igreja, que, apesar de seus esforços, esbarra em uma realidade que a transcende. O hospital inacabado não é apenas uma ruína concreta, mas o símbolo de um sistema incapaz de prover sequer o básico para os mais necessitados. Na derradeira escalada de tensão, a violência explode como um desfecho inevitável, reafirmando que, em contextos onde a barbárie se tornou norma, a esperança é um luxo inacessível. E, ao final, resta apenas o desconforto de uma realidade que insiste em existir além da tela.
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