Os anseios que alimentamos, por mais genuínos que sejam, pouco interferem no caráter implacável da existência, que nos empurra sempre para a dureza do real. Evelyn Wang compreende essa dinâmica com dolorosa clareza. Na trama de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, sua vida se equilibra na tênue linha entre expectativas frustradas e uma realidade que se impõe sem concessões. O futuro que imaginou se dissolve na monotonia do presente, e qualquer tentativa de romper esse ciclo parece fadada ao fracasso.
Entre contas vencendo, um negócio em ruínas e uma família que se esfacela sob o peso das cobranças mútuas, sua trajetória se desenha como um embate entre aceitar as próprias limitações ou viver em permanente conflito. Michelle Yeoh assume um de seus papéis mais multifacetados, dando vida a uma mulher sobrecarregada por uma rotina exaustiva, uma mãe que vê sua filha se distanciar, uma esposa esquecida pelo marido, uma filha que nunca é suficiente para o próprio pai e uma estrangeira em um país que nunca lhe pareceu lar.
A dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert constrói um tributo à confluência entre drama e ação, evocando referências a cineastas que redefiniram o gênero. Evelyn, dona de uma lavanderia em Simi Valley, reflete a essência de Beatrix Kiddo, a icônica criação de Tarantino que sintetiza a fúria latente de mulheres aparentemente frágeis.
O filme se abre mergulhando na rotina esmagadora da protagonista, e conforme a narrativa avança, os diretores ampliam a sensação de desajuste que marca cada aspecto de sua existência. Entre o temor de perder o negócio e as obrigações familiares, Evelyn ainda precisa encarar o escrutínio implacável do IRS, enquanto prepara a celebração do Ano Novo Chinês com uma festa comunitária — uma tradição familiar inescapável, sobretudo sob o olhar severo do pai, interpretado por James Hong.
Ainda no início da história, um novo fio narrativo se insinua: a relação conturbada entre Evelyn e sua filha Joy, interpretada por Stephanie Hsu. A tensão entre as duas se intensifica conforme o roteiro insere o elemento que desencadeia o cerne da trama: a entrada em cena de Waymond, seu marido, e o inevitável confronto com uma verdade desconfortável.
Ke Huy Quan, com seu semblante sereno e físico preciso para a ação, traz camadas à angústia da protagonista, especialmente quando a auditoria de Deirdre Beaubeirdre, vivida por Jamie Lee Curtis em uma performance irreconhecível, se torna o catalisador de uma jornada que desafia os limites da lógica. No ambiente burocrático do IRS, Evelyn se depara com uma realidade que desmorona ao seu redor, revelando-se o ponto de acesso a um multiverso onde cada versão sua luta para sobreviver às escolhas que fez — ou deixou de fazer.
O desfecho se desenrola em uma espiral de descobertas pessoais, levando Evelyn a encarar os aspectos mais profundos de sua identidade e o temor paralisante de aceitar quem realmente é. A montagem ágil de Paul Rogers conduz o espectador por um fluxo vertiginoso de imagens e ideias, um turbilhão em que cada cena sugere que o sentido da existência pode estar, paradoxalmente, na ausência de sentido. Como um bagel cósmico pronto para engolir tudo, o universo do filme desafia quem tenta compreendê-lo. Ou você o decifra, ou se torna parte dele.
★★★★★★★★★★