Por que vigaristas são tão sedutores? Essa é a primeira pergunta que “Emily, a Criminosa” parece lançar ao rosto do espectador que, entre constrangido e admirado, terá de concordar com a premissa básica do filme de John Patton Ford. Admirado?! Isso mesmo. Além da pergunta sobre o provado encanto que trambiqueiros de toda natureza exercem em cidadãos de bem, sequer capazes de processar a ideia de erigir uma fortuna às custas do prejuízo de quem quer que seja, essa história, como tantas outras desse jaez, suscita muitas mais.
Como uma das novas damas das anti-heroínas, Aubrey Plaza repete o bom desempenho em produções a exemplo de “Best Sellers — A Última Turnê” (2021), dirigido por Lina Roessler e do formidável “Meu Eu do Futuro” (2024), de Megan Park, e explora uma face um tanto mais sombria de seu trabalho de composição ao mirar uma mulher encalacrada em dívidas que resolve ignorar o bom senso e lançar-se a uma empreitada tão ilegal quanto lucrativa, durante a qual descobre que pode transformar-se outra pessoa. Alguém que ela preferiria não conhecer.
Os salvadores da humanidade, aptos a arriscar o pescoço inúmeras vezes ao longo de um mesmo filme em nome do que se considera a missão mais nobre que alguém poderia ter, vêm caindo em descrédito, e em sendo assim, a máxima que recomenda a cada um garantir a farinha do seu pirão ganha força. Emily Benetto começa o filme aspirando a um emprego formal, mas é enxotada com toda a cortesia por ter respondido a processos por direção sob efeito de álcool e agressão.
Como desgraça pouca é bobagem, Emily deve setenta mil dólares em mensalidades do curso de artes plásticas do qual não usufrui, e a partir desse momento o diretor-roteirista começa a alargar o arco dramático da personagem central, esmiuçando sua rotina de entregadora de refeições para empresas, mourejando sem direito a benefícios como férias ou seguro-desemprego. Os juros devoram tudo quanto ela junta na esperança de quitar o débito, e a um passo do abismo, prestes a jogar a toalha, um colega a encaminha para um esquema de fraudes de cartões de crédito que paga duzentos dólares por televisões de plasma cujo comprador na prática não existe.
Emily sai-se muito bem e é chamada por Youcef, o chefe da quadrilha, a subir um nível na hierarquia da organização e aplicar o golpe trocando eletrodomésticos de luxo por carros, recebendo dez vezes mais. Ela aceita, e Youcef a adverte que a subordinada dispõe de oito minutos para fechar o negócio, tempo que leva para o vendedor conferir as informações do cliente e contatar a operadora do cartão. Ele só não atentara para o formulário da seguradora, que atrasa o expediente a ponto do funcionário ir atrás dela no estacionamento, pedindo-lhe que voltem ao escritório.
Numa cadência frenética, o longa assume sua natureza de thriller e Plaza incorpora uma figura entre cínica e quixotesca, e à medida que essa nova pele de Emily viceja, Youcef, um sobrevivente feito ela, aparece com mais força, graças à performance magnética de Theo Rossi. Sem lições de moral pedantes, “Emily, a Criminosa” alcança temas sérios como a precarização do trabalho, as pequenas e grandes delinquências paridas pelo capitalismo selvagem e a inadequação de certas mulheres num mundo de homens. E Emily Benetto não afina para marmanjo nenhum.
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