Levar o universo de J.R.R. Tolkien para o cinema sempre foi um desafio que exige precisão e respeito à essência da obra original. “O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim” abraça essa responsabilidade, mas escolhe um caminho singular ao apresentar a narrativa em formato de animação. Essa decisão, por si só, marca uma ruptura em relação às grandiosas adaptações live-action de Peter Jackson, tanto estética quanto narrativamente. Sob a direção de Kenji Kamiyama, cuja trajetória está fortemente ligada ao anime, o longa incorpora um estilo visual que pode soar deslocado para os fãs que associam a Terra-média ao realismo grandioso das trilogias anteriores. O dinamismo dos combates, por exemplo, muitas vezes remete às coreografias típicas de animações japonesas, em que guerreiros enfrentam adversários em sucessão ordenada, um contraste perceptível em relação ao caos calculado das batalhas dirigidas por Jackson.
A despeito do orçamento modesto de 30 milhões de dólares, a qualidade visual do filme impressiona em diversos momentos. A equipe de design de produção recria a Terra-média com um nível de detalhamento que transmite autenticidade ao universo tolkieniano, ainda que algumas inconsistências na animação revelem limitações técnicas. No entanto, a fidelidade ao espírito da obra original é um ponto que suscita discussões. O roteiro baseia-se nos apêndices de “O Senhor dos Anéis”, especificamente na história de Helm Mão-de-Martelo, mas toma certas liberdades criativas que podem dividir opiniões. A introdução da personagem Héra, inexistente nos textos de Tolkien, é uma dessas escolhas que alteram a dinâmica da narrativa. Além disso, feitos originalmente atribuídos a Fréaláf, herdeiro legítimo de Helm, são transferidos para Héra, o que sugere uma tentativa de atualizar a história com um viés contemporâneo. Essa abordagem, entretanto, pode parecer forçada dentro da lógica interna do mundo pré-industrial concebido por Tolkien.
Um dos aspectos mais marcantes da trilogia de Peter Jackson foi a capacidade de integrar reflexões filosóficas profundas à narrativa, enriquecendo a história com diálogos memoráveis, como as palavras de Gandalf sobre o tempo e as escolhas que definem o destino. Esse elemento conferia peso e autenticidade às adaptações, alinhando-se à visão de mundo de Tolkien. “A Guerra dos Rohirrim”, por outro lado, carece dessa mesma sofisticação temática. A tentativa de inserir debates modernos, especialmente no arco de Héra, nem sempre se encaixa organicamente na construção sociocultural da Terra-média. Em vez de ampliar a imersão do espectador, essa inclusão corre o risco de quebrar a coerência interna do filme, tornando-se um elemento dissonante na experiência narrativa.
Apesar dessas ressalvas, há qualidades inegáveis na produção. O elenco de vozes entrega performances marcantes, com Brian Cox conferindo imponência a Helm Mão-de-Martelo e Gaia Wise trazendo carisma à sua personagem. Além disso, a participação de atores como Miranda Otto, Luke Pasqualino e a presença nostálgica de Billy Boyd e Dominic Monaghan agregam um valor sentimental ao projeto, reforçando o vínculo com os fãs das trilogias anteriores. A condução do enredo mantém um ritmo ágil, sem grandes momentos de estagnação, e as sequências de ação, mesmo estilizadas, preservam um impacto visual e emocional que sustenta o envolvimento do público.
O maior obstáculo de “A Guerra dos Rohirrim” é, inevitavelmente, a comparação com as obras-primas dirigidas por Peter Jackson. Falta-lhe a aura épica e a monumentalidade que tornaram “O Senhor dos Anéis” um marco no cinema. No entanto, dentro das limitações do formato e da proposta, o filme se sustenta como uma contribuição válida ao universo da Terra-média. Para aqueles que estão dispostos a embarcar em uma abordagem distinta, há méritos suficientes para tornar essa jornada a Rohan uma experiência envolvente. Mesmo sem alcançar o esplendor das adaptações anteriores, o longa oferece uma nova perspectiva sobre esse mundo icônico, proporcionando aos fãs uma oportunidade de reencontro com uma das civilizações mais fascinantes criadas por Tolkien.
★★★★★★★★★★