Se o mundo fosse um imenso campo onde só florescesse o bom, o belo e o justo, ou ao menos um lugarzinho cada vez mais abafado no qual todos soubessem de suas obrigações e colocassem-nas em prática, sem esperar nada de quem quer que seja, mas vivendo apenas de acordo com o que manda a lei, figuras como as que dominam “Contra-Ataque” não seriam tão onipresentes. O streaming parece ter descoberto o gosto por essas narrativas ao passo que não deixa de reoxigenar um filão meio negligenciado, não pela torrente de histórias a respeito de tipos asquerosos, que jamais hesitam em atirar primeiro e nem sempre perguntar depois, combatidos por abnegados homens da lei, lutando contra seus próprios demônios. Como tem sido a tônica entre cineastas ao redor do globo, o mexicano Chava Cartas dá seu toque pessoal ao enredo que quer destrinchar, elaborando o roteiro de José Rúben Escalante Mendez de modo a fazer com que o público entre no clima e tome partido, malgrado o diretor esfregue-nos ao rosto um ou outro dilema ético que flerta com o inominável.
Da mesma maneira que escandaliza muitos, essa dubiedade fascina boa parte da audiência que recorre a tramas que explicam as humanas fraquezas sem as enaltecer, mas antes erigindo um painel para que o espectador alcance as conclusões mais sensatas, o que fatalmente ocorre, sem que ninguém tome-lhe a mão e o guie pelo bom caminho da cordura. Cartas opta pela prudência ao expor as dificuldades dos soldados das Forças Especiais Mexicanas na repressão aos cartéis que operam na fronteira entre o México e os Estados Unidos, em especial o de Sinaloa, na costa noroeste do país, de onde sai boa parte da maconha e da cocaína que abastece o tráfico americano.
O Golfo da Califórnia presta-se ao escoadouro perfeito para as toneladas de entorpecentes que fazem a festa de cidadãos acima de qualquer suspeita, à revelia do capitão Armando Guerrero e seus subordinados. Conhecidos como morcegos pela habilidade com que deslizam pela escuridão, eles só param se surpreendidos pelas costas; assim mesmo, chove bala para cima do batalhão, o que não é problema, até Josefo Urias, o mandachuva do submundo tomar a frente e elevar o nível da barbárie.
Já no primeiro ato, o filme trata de fisgar quem aprecia a cadência particularmente frenética essas produções, cujo teor de caos aumenta aos poucos, até seduzir também aqueles menos chegados. “Contra-Ataque” arremata com um duelo de vida ou morte entre os personagens de Luis Alberti e Noé Hernández, fechando ao melhor estilo macho movie. Meio Tarantino, embora remeta igualmente a trabalhos de cineastas menos conhecidos, mas talentosos, a exemplo do Olivier Marchal de “Bastion 36” (2025).
★★★★★★★★★★