O terror proporciona uma infinidade de modos de se pensar o mundo, os costumes, a vida, e… rejeitar o mundo, os costumes, a vida — pelo menos a vida como a absorvemos sob muitos aspectos desde tenra idade. Manifestações sobrenaturais talvez sejam os únicos fenômenos que o homem não consegue dominar de todo, decerto por causa de sua incômoda proximidade com a alma humana, ou melhor, com o mais torpe, o mais reles, o mais repulsivo da alma humana. O mundo, um lugar cuja hostilidade persegue-nos sem descanso, cada vez mais, aonde quer que se esteja, fica ainda mais perigoso depois de certas experiências, de certos passeios pelo que quase nunca se revela, e Michael Chaves compreende isso muito bem.
“A Freira 2”, sequência do filme de 2018 dirigido por Corin Hardy, tenta dar algumas explicações acerca da irmã Irene, a protagonista da história, cinco anos após tudo de abominavelmente misterioso que houve no primeiro filme. Se antes Irene sofria por não saber como agir diante das mortes brutais de padres, agora, por algum motivo, ela está convencida de que pode lutar de igual para igual com as forças ocultas que ainda infestam o convento e espalham terror da França para instituições religiosas em todo o Velho Continente ao longo de toda a década de 1950, base do cuidadoso roteiro de Akela Cooper, Ian Goldberg e Richard Naing.
Como qualquer um, Irene está inexoravelmente mergulhada em questões muito suas, cujo sentido apenas ela alcança. Irene também atormenta-se, esperando que o Altíssimo a presenteie com a centelha quase mágica do discernimento, atalho que, de quando em quando, o espírito toma em busca da razão, mantida como um raro tesouro a distância dos olhares morbidamente curiosos de quem nos odeia e da perplexidade muda e inconformada das pessoas que nos querem bem. A freira está determinada a investigar a fundo a natureza de Valak, uma entidade demoníaca que remonta aos tempos do rei Salomão (990 a.C. — 931 a.C.) e que liderava 38 grupos de espíritos malignos.
Irene conta com a ajuda de Debra, uma noviça negra cuja vocação para a vida monacal deve-se ao incêndio de sua casa no Mississípi profundo, um respiro tragicômico junto aos tipos criados por Gary Dauberman e James Wan, diretor de “Invocação do Mal” (2013) e “Invocação do Mal 2” (2016). Chaves imprime alguma personalidade ao enredo voltando ao seu “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” (2021), como nas circunstâncias em que, por exemplo, Irene e Debra se põem a debater as diferenças entre fé e doutrina, e de que modo esses dois braços opostos de um mesmo organismo podem unir-se para vencer ameaças feito a sóror maldita que parece ter por objetivo corroer a Igreja por dentro. A despeito da performance dedicada de Taissa Farmiga, é impossível não vibrar de entusiasmo com as entradas de Storm Reid, numa narrativa que vai muito além do que certos olhos santos tem o condão de perceber.
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