O filme mais bonito, adorável e encantador do Prime Video: impossível não amar e agradecer por cada segundo Divulgação / Amazon Prime Video

O filme mais bonito, adorável e encantador do Prime Video: impossível não amar e agradecer por cada segundo

Sonhos não são apenas desejos; são, essencialmente, manifestos íntimos contra a tirania do real, expressões silenciosas de uma vontade que transcende o possível e confronta o previsível. Essa ideia percorre, de maneira sutil e sofisticada, o coração narrativo do filme “Sra. Harris Vai a Paris”, dirigido por Anthony Fabian, inspirado no romance homônimo de Paul Gallico, publicado em 1958. A princípio, a simplicidade aparente da trama pode sugerir um mero conto de fadas moderno, mas uma observação mais atenta revela camadas muito mais densas. A história de Ada Harris, interpretada com delicadeza incomum por Lesley Manville, oferece uma reflexão profundamente humanista sobre a força transformadora dos sonhos, especialmente aqueles que, à primeira vista, parecem triviais ou impossíveis demais para serem levados a sério.

Ada Harris, viúva desde a Primeira Guerra Mundial, enfrenta o cotidiano árduo de Londres como governanta. Sua existência, impregnada pela rotina e pela invisibilidade, contrasta fortemente com a beleza ostensiva e distante da alta-costura parisiense. Ao descobrir um vestido Dior no guarda-roupa de uma cliente, Ada não encontra apenas uma peça de luxo; ela vislumbra uma possibilidade simbólica de afirmação pessoal, uma espécie de passaporte para um mundo onde, pela primeira vez, sua existência seria reconhecida e legitimada. Não se trata de uma mera obsessão material, mas de uma luta pela dignidade, pelo direito fundamental de sonhar e, mais ainda, de ver esse sonho concretizado. Ao economizar cada centavo e partir em busca do vestido, Ada declara guerra, silenciosamente, aos estereótipos sociais que lhe impõem limites e aos preconceitos que questionam sua própria capacidade de desejar.

Ao chegar em Paris, entretanto, Ada confronta-se com uma realidade dura e paradoxal: na Maison Dior, o dinheiro por si só não garante a realização dos desejos; o verdadeiro obstáculo é a barreira invisível, porém implacável, do status social. A personagem Claudine Colbert, interpretada com rigor por Isabelle Huppert, simboliza essa resistência aristocrática, projetando na figura de Ada todas as inseguranças e preconceitos típicos de uma elite fechada em si mesma. No entanto, a narrativa habilmente conduzida por Fabian propõe que o espírito autêntico, aliado à simplicidade despretensiosa de Ada, é muito mais potente do que as aparências ou a superficialidade do poder econômico. Assim, pessoas inesperadas — como André (Lucas Bravo), o discreto e gentil contador da Dior, Natasha (Alba Baptista), uma modelo que enxerga além das aparências, e o aristocrático, porém aberto Marquês de Chassagne (Lambert Wilson) —acabam formando uma rede solidária capaz de desafiar e finalmente superar esses obstáculos.

Para além da trama propriamente dita, a obra dirigida por Fabian vai muito além de uma crítica sutil ao elitismo do universo da moda; ela constitui um poderoso ensaio visual e narrativo sobre a persistente exclusividade que permeia diversos aspectos da vida social. Por meio dos figurinos de Jenny Beavan — aclamados pelo rigor estético e merecidamente indicados ao Oscar — cada cena do filme torna-se um manifesto visual contra a ideia de que beleza, luxo e elegância estejam reservados apenas a uma classe restrita. A ironia sofisticada empregada pelo diretor confronta a hipocrisia social, subvertendo a noção de que o direito ao sonho tenha limites ou possa ser restrito por padrões artificiais.

Ainda assim, reduzir “Sra. Harris Vai a Paris” a uma crítica social seria limitar sua profundidade filosófica. A jornada de Ada Harris é, acima de tudo, um poderoso argumento existencial sobre como o tempo, em sua marcha inflexível e silenciosa, jamais deve ser encarado como uma prisão definitiva. Em sua trajetória aparentemente modesta, Ada é uma heroína que intui aquilo que filósofos expressam com outras palavras: que viver é resistir à fatalidade do previsível, reinventar-se constantemente, e desafiar com coragem aquilo que todos julgam impossível. Não se trata apenas de viajar ou de possuir um vestido; trata-se de tomar posse da própria vida, de contestar o destino imposto pela sociedade, transformando cada desejo, por mais superficial que pareça, em ato político e ético de afirmação existencial.

Ao optar por um desfecho que diverge do romance original, Fabian não apenas surpreende — ele reforça a mensagem central do filme, defendendo que o cinema, tal como a vida, tem o dever de ousar, questionar e eventualmente romper as expectativas cristalizadas pela tradição. Assim, o filme deixa claro que Ada Harris não é apenas uma personagem simpática ou uma sonhadora ingênua; ela representa um arquétipo poderoso e necessário: aquele que, diante do ceticismo e das adversidades, afirma a dignidade intrínseca do sonho humano e, por extensão, da própria existência.

Dessa forma, a experiência proporcionada por “Sra. Harris Vai a Paris” transcende o entretenimento e a estética; ela torna-se um poderoso convite à reflexão sobre a natureza dos desejos humanos. Ao propor que um vestido pode simbolizar dignidade, resistência e liberdade, a narrativa conduz o espectador a repensar o valor intrínseco de nossos sonhos mais íntimos e cotidianos. Cada um deles, por menor ou mais improvável que pareça, pode ser um ato revolucionário — um gesto simbólico e decisivo contra as correntes invisíveis que muitas vezes nos mantêm reféns de uma vida que não escolhemos plenamente.

No horizonte deixado por Ada Harris, fica a ideia poderosa e instigante de que sonhos não são ilusões nem escapismos; são, na verdade, estratégias silenciosas de resistência e sobrevivência diante das limitações que a vida insiste em impor. O vestido Dior é, portanto, apenas o ponto de partida para algo muito mais profundo e transformador: a capacidade genuinamente humana de ousar acreditar, mesmo contra todas as evidências, que podemos — e merecemos — ser felizes.

Filme: Sra. Harris Vai a Paris
Diretor: Anthony Fabian
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★