Cancele seus planos para o carnaval: Julia Roberts e George Clooney acabam de chegar à Netflix com uma comédia romântica irresistível

Cancele seus planos para o carnaval: Julia Roberts e George Clooney acabam de chegar à Netflix com uma comédia romântica irresistível

Em um cenário cinematográfico dominado por narrativas épicas de super-heróis, franquias bilionárias e dramas densos sobre crises existenciais, o simples anúncio de uma comédia romântica protagonizada por Julia Roberts e George Clooney já se configura como uma espécie de ato de resistência. “Ingresso para o Paraíso” não é, contudo, apenas um retorno saudosista ao gênero que já brilhou intensamente no passado; trata-se de uma aposta ambiciosa que reconhece o momento delicado das produções tradicionais do gênero e busca resgatá-las através de um ingrediente essencial: a química singular entre duas grandes estrelas, cuja dinâmica transcende o próprio filme.

De fato, a proposta central da narrativa é deliberadamente convencional, quase familiar em sua simplicidade: um casal divorciado, David e Georgia, interpretado por Clooney e Roberts, é obrigado a deixar para trás décadas de ressentimento para frustrar os planos matrimoniais da filha Lily (a jovem Kaitlyn Dever, cujo talento merecia um papel menos limitado), que resolve se casar impulsivamente com um sedutor, porém raso, produtor de algas balinês chamado Gede (Maxime Bouttier). Essa premissa, já explorada à exaustão no cinema, poderia resultar em algo banal ou esquecível, se não fosse a maneira como o diretor Ol Parker transforma o previsível em prazeroso, fazendo do previsível um pretexto para explorar as nuances de uma relação que ganha vida pela afiada troca de insultos entre seus protagonistas.

A verdadeira essência do filme está precisamente nesse embate verbal, um jogo dialético que remete aos clássicos duelos das comédias malucas (“screwball comedies”) da era dourada de Hollywood. Assim como Claudette Colbert e Clark Gable transformaram provocações em sedução no memorável “Aconteceu Naquela Noite”, ou como Cary Grant sobreviveu ao caos provocado por Katharine Hepburn em “Levada da Breca”, Roberts e Clooney constroem sua relação afetiva através de pequenas batalhas cotidianas — seja disputando silenciosamente o braço de uma poltrona na formatura da filha, enfrentando juntos (e agarrados um ao outro) uma turbulência aérea, ou discutindo intensamente por quartos adjacentes e roncos noturnos impossíveis. Cada uma dessas situações aparentemente banais é uma oportunidade de explorar não só a veia cômica dos atores, mas a complexidade das relações humanas, revelando camadas emocionais escondidas sob ironias e sarcasmos bem calibrados.

Nesse ponto, o filme consegue uma proeza notável: estabelecer com maestria uma conexão emocional entre seus protagonistas e o público, mesmo quando as situações ao redor ameaçam diluir a profundidade do conflito principal. Se o enredo parece familiar, é porque a fórmula escolhida pela produtora britânica Working Title — responsável por clássicos do gênero como “Quatro Casamentos e um Funeral” e “Um Lugar Chamado Notting Hill” — jamais foi alterada drasticamente, mantendo-se fiel ao estilo narrativo que tanto sucesso obteve no passado. Clooney e Roberts assumem, nesse contexto, o papel simbólico de sacerdotes experientes, celebrantes de uma espécie de ritual cinematográfico cuja continuidade parece depender mais da fé do que da lógica financeira do mercado atual.

Ainda assim, por mais brilhante que seja o desempenho dos veteranos, não há como ignorar certas fragilidades estruturais do roteiro, especialmente em relação ao núcleo jovem da trama. Kaitlyn Dever, cujo desempenho em “Fora de Série” demonstrou capacidade para muito mais do que o filme lhe oferece aqui, fica restrita a uma personagem adocicada, sem nuances ou contradições reais. Maxime Bouttier, por sua vez, recebe uma tarefa ainda mais ingrata: interpretar um personagem tão idealizado que chega a ser opaco, impossibilitando que o público sequer considere a possibilidade de concordar com os receios de David e Georgia. Para compensar essa deficiência, o filme aposta em figuras periféricas excêntricas, como Billie Lourd, repetindo o papel cômico que a tornou célebre, e Lucas Bravo, interpretando com perfeição caricatural o namorado francês ingênuo de Georgia. Ambos injetam uma energia divertida, mas pontual, à trama.

Outra controvérsia inevitável está relacionada ao tratamento dado ao cenário balinês — um paraíso idílico recriado, devido às restrições impostas pela pandemia, na costa australiana. Apesar de visualmente encantador e perfeitamente alinhado às convenções cinematográficas do gênero, o filme incorre em uma representação superficialmente exotizada, tratando costumes locais como o lixamento de dentes caninos em jovens adultos como mero recurso cômico. Parker, que já obteve grande sucesso explorando paisagens turísticas idealizadas em produções anteriores, mantém sua abordagem centrada no deslumbramento visual, consciente do apelo que essa escolha exerce sobre o público em busca de escapismo cinematográfico, ainda que isso custe parte da autenticidade cultural.

Mas talvez a maior contribuição de “Ingresso para o Paraíso” esteja precisamente no fato de ser uma obra autoconsciente, perfeitamente ciente de suas limitações e virtudes. Não busca reinventar o gênero, mas sim resgatá-lo com dignidade, oferecendo ao público uma experiência cinematográfica genuinamente prazerosa graças à presença envolvente e magnética de duas estrelas cuja maturidade artística confere ao filme uma sensação de segurança reconfortante. Roberts e Clooney são figuras que, mesmo em meio às críticas justificadas ao roteiro, conferem uma aura especial à produção — ambos sabem que estão em território seguro, que suas brigas e reconciliações são inofensivas, e que o público está ali exatamente para testemunhar a inevitável reconexão desses personagens aparentemente inconciliáveis.

Por fim, embora dificilmente se torne um marco histórico no gênero das comédias românticas, “Ingresso para o Paraíso” encontra seu valor justamente na simplicidade sofisticada com que abraça sua natureza leve, escapista e reconfortante. É um filme consciente de que o gênero talvez jamais recupere o espaço central que já ocupou, mas que não se rende ao cinismo ou à apatia diante disso. Ao contrário, aposta na energia contagiante e na dinâmica irônica de duas estrelas capazes de sustentar com elegância uma narrativa que, em outras mãos, facilmente cairia no banal. O resultado não é apenas uma homenagem ao passado, mas uma afirmação suave e convincente de que o cinema ainda pode ser, acima de tudo, prazeroso — desde que conte com intérpretes que saibam transformar o previsível em irresistivelmente divertido.

Filme: Ingresso para o Paraíso
Diretor: Ol Parker
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★