Ridley Scott, um dos cineastas mais influentes e respeitados da atualidade, retorna ao épico histórico com “Napoleão”, uma tentativa de reconfigurar o legado do imperador francês através da lente do cineasta que se tornou sinônimo de grandiosidade visual. Contudo, o filme, em sua versão teatral lançada nos cinemas, falha ao tentar equilibrar a imensidão dos acontecimentos com a densidade necessária para compreender um personagem tão complexo. O que deveria ser uma obra imersiva acaba se tornando um relato apressado e superficial de uma vida monumental, como se os eventos históricos desfilassem sem que o espectador tivesse tempo para verdadeiramente entender o impacto de cada um deles.
Desde a ascensão militar de Napoleão Bonaparte até sua decadência, a jornada do imperador é tratada com uma abordagem episódica, quase esquemática, em vez de uma narrativa robusta que nos conduza ao âmago de sua essência. A forma como o filme retrata a personalidade do líder, sua ascensão meteórica, os dilemas internos e o magnetismo que ele exercia sobre seus seguidores, é notavelmente diluída. Mais do que explorar as razões que sustentaram seu carisma e a justificativa para seu império imenso, o filme se perde em uma tentativa de ser uma grande produção visual, mas sem dar substância suficiente à sua figura central. O que resta é um Napoleão que parece navegar pelos acontecimentos históricos como um passante, sem uma explicação convincente para sua notoriedade, tornando-o mais uma sombra do imperador do que um retrato multifacetado.
Essa falta de aprofundamento não se limita ao personagem principal. O filme adota uma narrativa fragmentada, com sequências que, por mais que sejam visualmente exuberantes, não se entrelaçam com a profundidade necessária para gerar uma compreensão plena dos eventos e das pessoas ao redor de Napoleão. A grandiosidade técnica de Ridley Scott, que sempre foi uma de suas maiores marcas, parece, aqui, servir como um escudo contra a fragilidade do conteúdo narrativo. Ao invés de se servir da magnitude do visual para enriquecer a história, ele acaba dependendo da estética para cobrir as lacunas de uma construção narrativa mais aprofundada. Em última instância, o filme se assemelha a uma sequência de momentos impressionantes, mas desconectados, de uma história que ainda não encontrou seu ritmo perfeito.
A escolha de uma versão cinematográfica reduzida, com uma versão estendida já anunciada para o streaming, acrescenta uma camada ainda mais intrigante a essa discussão. O que se levanta aqui é uma pergunta fundamental: por que, em uma era onde os filmes longos têm sido amplamente aceitos, especialmente em um mercado tão diversificado como o de “Oppenheimer” ou “Avatar: O Caminho da Água”, “Napoleão” foi reduzido a uma montagem que beira o esboço? Ao que parece, a edição teatral do filme não é mais do que um convite para o público se acostumar com o enredo e os temas, enquanto aguarda, impacientemente, pela versão “completa”, um produto que promete uma experiência mais rica e profunda. Com isso, o lançamento nos cinemas parece ser mais uma manobra de marketing para cativar uma audiência que, ao final, terá que se comprometer com o streaming para explorar o verdadeiro alcance do filme.
No entanto, é injusto reduzir “Napoleão” a uma falha completa. A competência visual de Scott permanece indiscutível. As batalhas são coreografadas com precisão, cada cena de combate se tornando um espetáculo de detalhes e emoção. O design de produção é de uma riqueza tão impressionante que cada quadro é digno de ser admirado como uma obra de arte. A reconstrução do final do século XVIII e início do século XIX, com seus figurinos e cenários exuberantes, transporta o espectador diretamente para a época. Vanessa Kirby, como Josefina, é um dos destaques da produção. Sua interpretação é sensível, proporcionando uma profundidade emocional ao relacionamento entre a imperatriz e Napoleão, algo que a versão de Phoenix, em contrapartida, não consegue entregar com a mesma clareza.
Joaquin Phoenix, embora tenha flashes de brilho, não consegue atingir a complexidade do personagem que é Napoleão. Sua performance, embora tecnicamente competente, falha em transmitir a genialidade estratégica e a força de vontade que caracterizaram o imperador. Em certos momentos, seu Napoleão parece mais vulnerável do que é necessário, oscilando entre uma figura impetuosa e uma pessoa quase infantilizada. Essa dissonância entre a interpretação e a personagem histórica impede uma conexão mais profunda com a figura que ele representa. Enquanto o roteiro e direção deixam essa figura grandiosa e impetuosa pouco clara, Phoenix não consegue restaurar o magnetismo perdido. Sua atuação, longe de ser irrelevante, não consegue capturar a totalidade do personagem, deixando a figura histórica desconexa do que deveria ser.
A comparação com o lançamento de “O Reino dos Céus” é inevitável aqui. O épico de 2005, com um corte original criticado, só encontrou seu verdadeiro brilho quando Ridley Scott lançou sua versão definitiva. Com “Napoleão”, parece que o diretor mais uma vez se vê à mercê das demandas do mercado, precisando condensar um épico em uma versão que, por mais que tenha seu valor visual, não consegue oferecer uma experiência completa. Nesse sentido, a versão teatral se coloca mais como uma introdução do que como uma obra acabada, deixando no ar uma sensação de que a história real, o verdadeiro Napoleão, ainda está por vir.
Apesar dos problemas evidentes, “Napoleão” pode conquistar, no futuro, a aclamação que sua versão nos cinemas não conseguiu oferecer. O filme, mesmo em sua versão resumida, ainda é um espetáculo visual de altíssimo nível. Entretanto, a verdadeira experiência parece estar reservada para aqueles que aguardam a versão estendida, e não para aqueles que se limitam à exibição teatral. “Napoleão” pode até se tornar um dos filmes mais memoráveis do ano, mas isso só será verdade para aqueles dispostos a esperar pela versão final, onde a grandiosidade de sua história poderá ser plenamente apreciada.
★★★★★★★★★★