“Triângulo da Tristeza” é um raro sopro de originalidade. Ruben Östlund, conhecido por sua inclinação por sátiras sociais mordazes, conduz o espectador por uma narrativa dividida em três atos, cada qual ampliando o desconforto e a crítica. Seu olhar afiado para as contradições sociais se traduz em um filme que, ao mesmo tempo em que provoca riso, também desafia a digestão moral do público.
A história segue um casal de modelos, Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean, em seu último papel), que embarca em um cruzeiro de luxo repleto de figuras que encarnam o poder e a decadência. Entre os passageiros está um oligarca russo grotesco, enquanto o capitão do navio (Woody Harrelson) oscila entre a apatia e o deboche. No coração da trama, uma ceia de gala durante uma tempestade se transforma em um espétaculo de caos físico e simbólico, reminiscentes das sequências escatológicas de “A Comilança” e “O Sentido da Vida”. A cena escancara o grotesco da opulência e antecipa a inversão brutal de papéis sociais que virá depois.
Östlund nunca foi um cineasta sutil, e aqui sua mão pesada se faz sentir desde a abertura, que ridiculariza a superficialidade do mundo da moda de forma quase didática. A crítica é tão evidente que pouco resta a ser desvendado. Apesar disso, seu talento impede que a obra se afogue na obviedade. O humor ácido e a precisão das performances mantêm a energia narrativa, ainda que o roteiro, sua primeira incursão no inglês, pareça perder nuances pelo caminho.
Na reta final, quando os sobreviventes do naufrágio se veem presos em uma ilha deserta, a farsa social se desintegra. Quem antes ocupava o topo da hierarquia agora depende de Abigail (Dolly De Leon), funcionária da limpeza que se torna a única capaz de garantir a sobrevivência do grupo. A inversão de poder traz uma fagulha de frescor ao longa, mas também se estende além do necessário, tornando-se repetitiva.
Visualmente, “Triângulo da Tristeza” é impecável. O uso de espaços – do iate luxuoso à paisagem desolada da ilha – reforça a metáfora do filme, mas, no fim, a crítica se perde em sua própria autoindulgência. Östlund expõe a hipocrisia das elites, mas faz isso de maneira tão direta e reiterada que o impacto se dilui. Ainda assim, trata-se de um filme que provoca e incomoda, e sua Palma de Ouro reflete o valor de um cinema que ousa questionar, mesmo quando não encontra todas as respostas.
★★★★★★★★★★