Netflix Considerado o novo John Wick, filme de ação estreia em 1º lugar no ranking mundial da Netflix Divulgação / Netflix

Netflix Considerado o novo John Wick, filme de ação estreia em 1º lugar no ranking mundial da Netflix

Desde o lançamento de “John Wick”, em 2014, tornou-se comum a percepção de que qualquer narrativa sobre indivíduos com passados violentos obrigados a retomar velhos hábitos por um motivo justo é mera reprodução do filme estrelado por Keanu Reeves. Contudo, histórias semelhantes já permeiam o cinema há décadas, desde o clássico japonês “Os Sete Samurais” (1954), de Akira Kurosawa, passando pelo emblemático Homem Sem Nome interpretado por Clint Eastwood nos anos 60, até obras mais recentes como “Marcas da Violência” (2005), de David Cronenberg. Mesmo em produções tâmil, telugu e de Bollywood, essa estrutura narrativa reaparece frequentemente, demonstrando que o clichê, longe de ser um esgotamento contemporâneo, faz parte de uma profunda e complexa tradição cinematográfica sobre a condição humana. É nessa tradição que o filme “Demon City”, dirigido por Seiji Tanaka e disponível na Netflix, busca seu espaço, tentando equilibrar familiaridade e inovação.

Baseado no mangá “Onigoroshi” (“Matador de Demônios”, em tradução livre), de Masamichi Kawabe, o filme acompanha Shûhei Sakata, um lendário assassino profissional que abandona a violência em busca de paz junto à família, apenas para ver seus entes queridos brutalmente assassinados por um grupo mascarado chamado Kimen-gumi. O enredo salta doze anos adiante, revelando Sakata em estado vegetativo após um tiro na cabeça, até que uma tentativa de assassinato o desperta, reavivando sua sede de vingança. Embora previsível em sua essência — basta assistir ao trailer ou acompanhar os primeiros minutos para antecipar cada desdobramento — “Demon City” acerta ao abordar com sinceridade a impossibilidade de abandonar uma vida de violência sem enfrentar as consequências de seus atos passados. Diferentemente de muitos filmes recentes que transformam assassinos em figuras morais intocáveis, Sakata permanece fiel à sua natureza sombria e complexa, refletindo a ambiguidade própria da condição humana.

Um dos grandes méritos do filme reside justamente nas cenas de ação impecavelmente coreografadas, extremamente brutais e visualmente impactantes. Destaque especial para a ousadia da sequência do hospital, na qual Sakata, debilitado, arrasta-se com movimentos quase cômicos e trágicos para enfrentar seus agressores, numa alusão inesperada ao estilo “Drunken Master”. Esses momentos são potencializados pela trilha sonora vibrante de Tomoyasu Hotei, pela fotografia expressiva de Kohei Kato e pela montagem precisa e estilizada de Norifumi Ataka. A violência explícita pode não agradar a todos, mas é exatamente essa crueza realista que eleva a experiência, fazendo do filme um espetáculo visual que prende a atenção até o fim.

Toma Ikuta brilha intensamente ao dar vida ao protagonista Sakata. Sua interpretação transcende diálogos escassos, sustentando-se quase inteiramente por expressões faciais e linguagem corporal. Com maestria, Ikuta oscila entre o desespero absoluto, a brutalidade impiedosa e momentos de vulnerabilidade profunda, elevando o personagem além do típico anti-herói. O elenco coadjuvante também reforça a solidez da produção: Masahiro Higashide apresenta-se inquietante em sua crueldade, Mio Tanaka é marcante com sua risada sinistra, e Taro Suruga desperta empatia ao exibir remorso genuíno. As atuações secundárias, combinadas com uma construção estética fiel ao folclore e às tradições japonesas, enriquecem a narrativa e promovem uma imersão cultural significativa.

Contudo, o roteiro não busca ir muito além da simplicidade da premissa central, mantendo-se seguro e sem grandes inovações narrativas. Mesmo assim, o filme consegue atingir um equilíbrio satisfatório entre o frenesi das cenas de ação e a sobriedade da história contada. Em meio à trama previsível, o diretor Tanaka oferece discretas reflexões sociais, retratando autoridades corrompidas que alimentam desigualdades profundas, numa crítica breve, porém contundente. A essência do filme se torna clara: por mais saturado que esteja o gênero, ainda há espaço para histórias cativantes, desde que protagonizadas por atores dispostos a entregar atuações que vão além da superficialidade e do clichê.

“Demon City” é, portanto, um entretenimento sólido, visualmente sofisticado e dramaticamente eficaz, que compensa suas limitações narrativas com uma execução técnica exemplar e atuações memoráveis. Ainda que se valha de um enredo convencional, é justamente na maneira como explora o lado mais sombrio e violento do ser humano, sem falsas redenções ou moralismos fáceis, que o filme encontra sua originalidade. Ao encarar a inevitabilidade da violência e as cicatrizes permanentes que ela deixa na alma de seus personagens, Tanaka entrega uma obra que, mesmo sem revolucionar o gênero, garante um lugar relevante dentro da longa tradição de narrativas sobre vingança e redenção no cinema mundial.

Filme: Demon City
Diretor: Seiji Tanaka
Ano: 2025
Gênero: Ação/Fantasia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★