Homens que desafiam seu próprio destino geralmente o fazem por razões extremas, mas o impulso que os move é quase sempre o mesmo: recuperar o que foram antes de o mundo moldá-los conforme seus desígnios implacáveis. Na busca por um sentido que escapa às convenções, perdem-se em atalhos que prometem felicidade, mas apenas aprofundam o abismo entre o que são e o que poderiam ter sido. Esta luta interna, travada contra as expectativas sociais e os próprios desejos, dá origem a histórias de dor e resistência, refletindo a condição humana em sua forma mais essencial e paradoxal: simultaneamente vulnerável e indomável. É dessa tensão que emergem narrativas que nos fazem questionar o que realmente significa existir.
“Demon City”, adaptação de Seiji Tanaka da série de mangás “Onigoroshi” (2022), de Masamichi Kawabe, evoca esse dilema de maneira brutal e estilizada, misturando elementos de “John Wick” e “Kill Bill” em um cenário de violência coreografada e melancolia crua. Tanaka constrói um protagonista que flerta com a grandiosidade mítica dos heróis imortais do cinema, mas o faz sem sacrificar a complexidade emocional do personagem. A jornada de Shûhei Sakata, vivido intensamente por Tôma Ikuta, começa quando sua família é cruelmente assassinada, forçando-o a retomar a vida de assassino de aluguel. O roteiro caminha habilmente na linha tênue entre a tragédia pessoal e a sede por vingança, revelando aos poucos as camadas de dor e arrependimento que moldam o protagonista.
No centro de “Demon City” está a eterna luta humana por sentido e redenção em um mundo brutal e indiferente. A obra explora as profundas contradições da condição humana, onde a violência e o amor coexistem em um equilíbrio precário. Seiji Tanaka utiliza cada cena de ação não apenas para impressionar pela coreografia magistral, mas para intensificar o dilema interno do personagem, transformando o sangue derramado em uma metáfora visual de sua busca desesperada por justiça e redenção. A brutalidade estilizada contrasta com momentos de introspecção silenciosa, criando um ritmo narrativo que é ao mesmo tempo frenético e profundamente emocional.
Se o mundo fosse um lugar de justiça e bondade inabaláveis, histórias como esta não teriam propósito. Mas em um cenário onde a ordem é apenas uma máscara para o caos subjacente, “Demon City” encontra sua relevância ao explorar o que resta do humano quando tudo parece perdido. A luta de Shûhei contra a Kimen-gum, a organização secreta que destruiu sua vida, não é apenas um confronto físico, mas uma batalha contra sua própria escuridão. A direção de Tanaka mantém o mistério e a tensão até o final, recusando-se a entregar respostas fáceis ao público. “Demon City” é um convite à reflexão sobre o custo da vingança e o peso das escolhas que moldam a alma. Ao fim, resta a pergunta: quem realmente são os demônios?
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