Algumas pessoas são obrigadas a compreender, desde muito cedo, que a vida não reserva-lhes a genuína essência das coisas, mas só um caldo ralo e frio, temperado pela eterna ira que pontua a existência de todos nós em maior ou menor intensidade. Para esses indivíduos, afetos têm a natureza de algo que se quebrara há bastante tempo, mas que resiste, apoiando-se na areia colorida da farsa, que vai tragando e perdendo tudo. A maternidade é um verdadeiro fantasma na vida de Amanda, um fantasma que vai e vem ao sabor das memórias e que, pior, atravessa gerações.
A protagonista de “Umma” tenta livrar-se das lembranças da mãe enquanto morava na Coreia do Sul, sem se dar conta de que reproduz o mesmo padrão com a filha, e valendo-se de premissa tão delicada Iris K. Shim constrói um terror psicológico pleno de nuanças sobre os conflitos de uma relação claustrofóbica, mas não só. O roteiro de Shim oscila da tensão que emana de um relacionamento tóxico para o esforço sobrenatural de Amanda quanto a entender os anseios da filha, cada vez mais certa de que precisa cuidar do próprio futuro.
Amanda é, na verdade, Soo-hyun, uma apicultora que criou Chrissy, a filha única, numa redoma de isolamento que diz muito a seu respeito. A venda de mel orgânico vai de vento em popa, graças a influenciadores que passaram a adquirir e a divulgar seus produtos de graça, depois que Danny, o dono do mercadinho local, dedicou-se em pessoa a inserir o negócio no mundo digital. O personagem de Dermot Mulroney liga o rancho de Amanda ao resto do planeta, uma vez que ela apresenta uma estranha hipersensibilidade à energia elétrica, o que, claro, a obriga a ficar bem longe de celulares e computadores e a manter sempre inativa a força da propriedade.
Shim burila o argumento deixando subentendido que há, sim, um grande mistério por ser revelado e que talvez Amanda não tenha problema algum com aparelhos eletrônicos e só quer mesmo é perpetuar a misantropia, a sua, voluntária, e a de Chrissy, criminosa. Sandra Oh e Fivel Stewart levam a trama a um segundo ato particularmente conflituoso, e a diretora então aproveita para ir destrinchando o mote central do filme, a visita em espírito da mãe de Soo-hyun, a umma, a matriarca, recém-falecida e cheia de contas a acertar com ela.
Grandiloquente e convicto de seu potencial, “Umma” trabalha assuntos delicados sob o ângulo difuso do transcendental, alcançando conclusões desconfortáveis, mas necessárias. Traumas geracionais martelam o espectador a todo momento, erguendo hipóteses e as esvaziando, até com uma certa displicência. MeeWha Alana Lee dá medo como a umma de Soo-hyun, ao passo que tipos como River, encarnada por Odeya Rush, ajudam em respiros quase cômicos e insinuando um possível romance lésbico com Chrissy. Mas o que permanece nessa farsa sinistra sobre famílias e seus malogros é a recomendação muito acertada de que o tempo que se perdeu morto esteja. E que os sinais que vida nos dá à mancheia não sejam ignorados.
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