Arte e transgressão sempre beberam da mesma fonte turva. Escrever, em particular, é um ofício bastante solitário, egocêntrico nas mais diversas maneiras, às vezes cruel por exigir tanto e dar tão pouco em troca. Max Williamson sabe de tudo isso, e mesmo assim está determinado a tornar-se uma revelação da literatura do seu tempo, depois de estabelecer-se como um autor de prestígio na revista na qual seus textos são publicados.
Com o pretexto de colecionar experiências para seu primeiro romance, Sebastian, um garoto de programa com perfil numa plataforma restrita a assinantes, assume o lugar de Max, e então o caos vai instalando-se na vida dele, sem que livro nenhum apareça daí. O personagem-título do drama erótico do finlandês Mikko Mäkelä une o que parece-lhe útil ao nem tão agradável, junta um bom dinheiro e enfrenta situações ignominiosas, edulcorando a vergonha com fantasias acerca de seu sucesso. O diretor-roteirista crava flechas certeiras em ideias equivocadas do glamour dessas duas formas de se ganhar a vida, levando o público por um longo passeio peloa descaminhos de Sebastian, mais e mais perdido até que vislumbre sua mudança triunfal.
Todas as experiências de alcova de Sebastian acabam nas páginas de seus rascunho, e quanto mais ele escreve mais ele quer caçar possíveis clientes, todos cavalheiros sexagenários com vidas paralelas como a dele. Ele quer ser o novo Bret Easton Ellis, mas controla o desespero ao dar-se conta de que o enfant terrible da literatura doa primórdios da geração X americana já era um fenômeno com a sua idade. Mäkelä divide seu filme de maneira quase cartesiana entre as visitas de Sebastian a quartos de hotel cinco estrelas e enormes apartamentos muito bem-decorados de Londres e a rotina profissional de Max, enfrentando Claudia, a editora vivida por Lara Rossi, na defesa de suas pautas.
Ruaridh Mollica encontra o tom adequado para a dualidade de seu protagonista, frisando a doçura de Sebastian na cama com outros homens, ao passo que demonstra uma certa ira quando não tem a matéria que queria. Ele é apresentado por Dionne, a agente literária de Leanne Best, a figurões do mercado editorial, mas dá uma desculpa e sai correndo ao notar que um dos fregueses que atendera naquela semana está a dois metros de distância. Sebastian fecha as portas de um resignado Max.
A todo momento espera-se uma tragédia, e ela quase acontece quando, depois de um encontro, Sebastian registra suas impressões sobre Daniel Larson, o ricaço tão misterioso quanto rude interpretado por Ingvar Sigurðsson, que exige sexo mesmo que o garoto insista que não passa bem. O que se segue à briga dos dois, que deixa Max sem o laptop e a carteira, é a jornada na qual o anti-herói desce ainda mais baixo no submundo, conhece um rapaz que paga-lhe uma bebida numa boate encharcada da luz de um néon vermelho e recebe uma cusparada ao pedir duzentos euros para ir à casa dele.
Nicholas D’Avray, o homem que fizera Sebastian correr de Dionne e seus convidados para excluir seu cadastro de acompanhante, é seu salvador da vez, e apesar de todas as diferenças entre os dois, acabamos torcendo por um final feliz desse estranho casal. Jonathan Hyde responde por alguns dos lances mais poéticos e até idílicos do enredo, e ao contrário do que se tem em produções congêneres a exemplo do badalado “Queer” (2024), de Luca Guadagnino, “Sebastian” faz questão de recompensar o sofrimento de Max. Talvez ele tenha mesmo aprendido.
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