Com uma ousadia sem precedentes, o filme mais polêmico da história do cinema chega à Imovision Divulgação / Surrogate

Com uma ousadia sem precedentes, o filme mais polêmico da história do cinema chega à Imovision

Não é fácil manter a fleuma diante de filmes como “Império dos Sentidos”. Ninguém sabe exatamente o que pensar diante da história de uma prostituta do Japão pré-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que vive sem dores na consciência, senhora de seus desejos, dando-se ao luxo, inclusive, de se apaixonar e de lutar por um homem. Paira sobre Sada Abe (1905-1970?) uma imensa nuvem de mistério, desde seu nascimento a sua morte, cujos detalhes permanecem até hoje obscuros, mas não é absurdo dizer que ela só experimentou o gosto da liberdade enquanto foi cativa de sua luxúria, trabalhando num bordel de luxo nas imediações de Tóquio. Um dos precursores do erotismo no cinema, Nagisa Ōshima (1932-2013) abraça a pornografia em cenas de sexo explícito nas quais  registra os encontros de Sada com um cliente como qualquer outro, até que decide escolhê-lo o salvador que irá levá-la embora para uma bela existência de idílio e sonho. Quando se dá conta de que ele é feito os outros, que veem-na sem nenhuma pretensão além do prazer, uma barbárie se anuncia.

O sexo é o único refúgio de Sada, e nesse território ela reina absoluta. Ōshima e o corroteirista Kōji Wakamatsu (1936-2012) voltam a elementos usados por Noboru Tanaka (1937-2006) em “Uma Mulher Chamada Sada Abe” (1975), mas conferem à anti-heroína o glamour que segura o público até a brutal derradeira sequência, quando ela extravasa o rancor pela incompreensão da vida toda. Enquanto esse momento não vem, ela diverte-se com Kichizo Ishida, o pacato pai de família que passa a visitá-la com frequência, mas que vai-se embora quando o dia raia.

Naquele 1936, três anos antes da guerra, o Japão ainda gozava de alguma serenidade, o que Ōshima faz questão de registrar nas cenas de alcova entre Sada e Kichizo, quase românticas e desvelando sem pressa seus lances escandalosos. O diretor abusa de planos-detalhe das genitálias de Eiko Matsuda (1952-2011) e Tatsuya Fuji, levando a narrativa para closes em que se assistem a felações e cópulas, atalhos para que se comece a alcançar o que de fato interessa nos personagens.

A exemplo do que fazem Bernardo Bertolucci (1941-2018) em “Último Tango em Paris” (1972) e Pier Paolo Pasolini (1922-1975) em “Salò ou os 120 Dias de Sodoma” (1975), Ōshima iguala Sada e Kichizo pelo “horror” da nudez e da lascívia, até que a balança se descompensa de uma vez por todas. O pudor é, sim, a mais afrodisíaca das virtudes, e por não ser virtuosa Sada Abe pagou um preço alto. Mas deu seu recado como poucas.

Filme: O Império dos Sentidos
Diretor: Nagisa Ōshima
Ano: 1976
Gênero: Drama/Erótico/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.