Sucesso nos anos 1990, terror que virou ícone da cultura pop está na Netflix Divulgação / Dimension Films

Sucesso nos anos 1990, terror que virou ícone da cultura pop está na Netflix

Entre a penumbra melancólica e os resquícios de uma cidade devorada pelo desespero, “O Corvo: Cidade dos Anjos” tenta se afirmar como sucessor do cultuado longa de 1994. O primeiro filme, imortalizado pela presença visceral de Brandon Lee, não era apenas uma narrativa de vingança estilizada, mas um poema visualmente impactante sobre dor e redenção. A tragédia real do ator imprimiu um peso emocional que transcendia a tela, conferindo à obra uma aura quase mitológica. No entanto, sua sequência não consegue sustentar essa herança, tropeçando em escolhas narrativas que dissipam a força simbólica do original.

A decisão de alterar o cerne emocional da trama — substituindo a perda de um amor pela morte de um filho — poderia ser um caminho para uma abordagem ainda mais dilacerante, explorando camadas mais profundas do luto. Contudo, o resultado carece de contundência, pois a execução não traduz esse sofrimento de forma genuína. Vincent Perez, encarregado de dar vida ao protagonista, esforça-se para transmitir a angústia e a sede de justiça, mas sua atuação não carrega o magnetismo necessário para sustentar a jornada emocional da narrativa. A intensidade visceral e a hipnótica melancolia que fizeram de Lee um ícone estão ausentes, tornando a trajetória do novo protagonista um reflexo pálido do que já foi visto.

Visualmente, a obra tenta preservar a identidade sombria do predecessor, mas desliza ao exagerar na ambientação grotesca. A fotografia de Jean Yves Escoffier aposta em tons nebulosos e cenários opressores, evocando influências expressionistas que remetem a “Nosferatu” e “Ladrão de Sonhos”. No entanto, ao contrário dessas referências, o filme falha em transformar esse ambiente decadente em um elemento narrativo significativo. Em vez de um cenário que dialoga organicamente com os dilemas do protagonista, a cidade surge como um espaço genérico de degradação, desprovido da poesia visual que caracterizava o primeiro longa.

A direção de Tim Pope também se mostra uma escolha questionável. Conhecido por seu trabalho em videoclipes, Pope imprime um estilo que privilegia composições visuais impactantes, mas sem a necessária coesão narrativa. O ritmo fragmentado e a montagem frenética minam a imersão, resultando em sequências de confronto que carecem de urgência e peso dramático. A brutalidade estilizada do original, que equilibrava violência e lirismo, aqui se reduz a cenas previsíveis e carentes de significado.

O antagonista interpretado por Richard Brooks, com sua influência ocultista, tinha potencial para ser um oponente memorável, mas sua construção acaba recaindo em clichês genéricos de vilões que dominam o submundo do crime. Em contraste, Iggy Pop traz uma dose bem-vinda de irreverência ao filme, adicionando um elemento anárquico que, ainda que breve, injeta energia na história. Mia Kirshner, no papel de Sarah, também se destaca ao conferir uma vulnerabilidade magnética à sua personagem, sendo um dos poucos elementos humanos que realmente conectam o público com o enredo.

A trilha sonora, um dos pilares fundamentais do primeiro filme, tenta resgatar essa identidade, mas sem a mesma coesão emocional. A seleção musical parece replicar a estética sonora do original sem, contudo, estabelecer a mesma ressonância com o universo da narrativa. A ausência desse vínculo reduz o impacto da experiência, tornando-a mais uma tentativa de reprodução do que uma construção autêntica.

Diante dessas falhas, “O Corvo: Cidade dos Anjos” se revela uma continuação que não encontra um propósito próprio. Ao mesmo tempo que tenta se apoiar na mitologia do filme original, falta-lhe coragem para propor algo realmente inovador. Se o primeiro longa encontrava beleza na escuridão, esta sequência apenas se perde nela, sem uma centelha de redenção. Para os admiradores do universo do Corvo, restam apenas resquícios do que um dia foi uma história carregada de alma e significado.

Filme: O Corvo: A Cidade dos Anjos
Diretor: Tim Pope
Ano: 1996
Gênero: Ação/Crime/Fantasia/Terror/Thriller
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★