A ideia de Deus sempre foi uma moldura maleável, adaptada às crenças e esperanças de cada cultura. Yeshua, Muhammad, Siddharta Gautama, Vishnu — cada um representa uma interpretação única do divino. Para uns, Ele é um salvador; para outros, uma força implacável ou um pensador desapegado. Essa multiplicidade reflete as nuances da fé e do misticismo, que moldam as relações entre o humano e o transcendente. Se seguirmos a lógica de Baruch Spinoza (1632-1677), Deus se manifesta em tudo: no ser racional e no que não tem vida, na matéria finita e na perfeição imaterial. Isso cria um paradoxo instigante: um Criador que combina a pureza absoluta com a fragilidade humana, desafiando a preferência humana pela destruição ao invés da transformação, pela ruína ao invés da redenção.
O ponto alto de “Virgem Maria” é apresentar a concepção de Cristo pela perspectiva de uma jovem comum, de uma aldeia de Nazaré, que apesar de pobre e iletrada, carrega uma sabedoria intuitiva. A personagem aceita um destino grandioso e trágico com dignidade rara. D.J. Caruso surpreende ao trocar o ritmo frenético de filmes como “xXx: Reativado” (2017) por uma narrativa introspectiva e delicada. Ao abordar um tema tão universal quanto polêmico, Caruso contorna os clichês com habilidade. A história mergulha nas complexidades da fé, que, embora frequentemente vista como escapismo, tem o poder de resgatar almas da perdição — um tema delicado que o filme aborda sem fanatismo. A religião, quando mal compreendida, gera distorções perigosas, alimentando falsos profetas que desviam os incautos da beleza da fé genuína.
Essa abordagem ousada provoca reações intensas, especialmente ao escalar Noa Cohen, uma atriz israelense de 21 anos, como a mãe do Salvador cristão. A escolha reacende debates sobre representatividade e autenticidade em Hollywood, mas Cohen entrega uma performance comovente. O roteirista Timothy Michael Hayes prepara o terreno para sua atuação brilhante ao explorar as provações de Joaquim e Ana, os pais de Maria, que recebem a visita do anjo Gabriel enquanto vagam pelo deserto. Esse paralelo com o nascimento de Cristo é uma sacada genial de Caruso, dando profundidade à narrativa. Anthony Hopkins encarna um Herodes perturbadoramente cruel, mas é Cohen quem carrega o filme com uma força silenciosa e tocante, firmando-se como o coração da história.
★★★★★★★★★★