Embora busquemos padronizar os desafios da maternidade — tanto para fugir do isolamento quanto para encontrar conforto e identificação umas nas outras — é inegável que muitas experiências são únicas. Ser mãe ressoa de formas distintas em cada mulher e, enquanto os hormônios podem lançar algumas em um abismo emocional aparentemente sem saída, repleto de dores, desespero, medos e angústias, há também aquelas que sonham em ter filhos, mas, por algum motivo, não podem. Essas mulheres enfrentam sofrimentos igualmente indizíveis.
Em “Rapto”, a cineasta francesa Iris Kaltenback explora os dois lados da dor. Lydia (Hafsia Herzi), uma parteira, acaba de ser deixada pelo namorado e se envolve com um motorista de ônibus chamado Milos (Alexis Manenti). O caso dura apenas uma noite, e eles passam meses sem se ver. Enquanto isso, sua melhor amiga, Salomé (Nina Meurisse), que é casada, está grávida. Embora o filme não explicite os sentimentos de Lydia, é perceptível, conforme a narrativa se desenrola, que ela se sente solitária e deseja não apenas o amor, mas também a maternidade.
Kaltenback constrói a personagem com nuances discretas e introspectivas, evitando o melodrama para expor suas dores ao espectador. “Rapto” é um exercício de telepatia: os diálogos são poucos, os protagonistas mantêm expressões contidas — e não digo isso de forma negativa —, e o enredo revela apenas o essencial, deixando que a força das imagens fale por si.
Silencioso e de ritmo pausado, apesar da curta duração, o filme exige paciência e sensibilidade para compreender o estado mental de Lydia. Ela auxilia no parto da amiga e, por coincidência, reencontra Milos nos corredores do hospital. Ele está lá para visitar o pai doente, enquanto Lydia segura nos braços Esmé, a filha recém-nascida de Salomé. Quando Milos pergunta quem é a criança, Lydia, num impulso, afirma que Esmé é sua filha, fruto daquela única noite com ele.
Perturbado com a revelação, Milos se afasta sem questionar muito a situação. Dias depois, para surpresa de Lydia, ele entra em contato exigindo conhecer a suposta filha. Nesse momento, ela poderia esclarecer a verdade, explicando que o bebê pertence à sua amiga, mas se cala. Em meio ao constrangimento e à improbabilidade da mentira, Lydia vê uma oportunidade: despertar o interesse de Milos e, quem sabe, conquistar uma nova vida ao lado dele.
À medida que Salomé se afunda em uma depressão pós-parto, Lydia encontra espaço para se aproximar cada vez mais de Esmé, assumindo os cuidados da bebê como se fosse sua própria filha. Ela monta um quarto para a criança em seu apartamento, passa tempo com Milos e até apresenta a menina à família dele.
A mentira cresce a um nível insustentável. Tanto Lydia quanto Milos se apegam profundamente a Esmé, enquanto os sumiços e os cuidados excessivos de Lydia despertam a preocupação de Salomé e seu marido. O descontrole cresce até que Lydia toma uma medida drástica: sequestrar a criança sem que Milos saiba da verdade.
Baseado em uma história real, mas com elementos ficcionais, “Rapto” mergulha na dor de uma mulher de ventre vazio que, consequentemente, sente sua vida vazia. Para preencher esse espaço, ela constrói uma falsa narrativa que, pouco a pouco, foge ao seu controle. Lydia tem empatia por Salomé, mas seus impulsos e emoções a tornam incapaz de dominar suas próprias ações, aprisionando-a em uma espiral de prazer e culpa.
O drama de Kaltenback é sutil e sensível, evitando julgamentos sobre as atitudes de Lydia. A diretora permite que a protagonista confronte sua própria consciência, evidenciando que, embora seus atos sejam deliberados, também são permeados por ingenuidade e desespero. A escolha de Milos como narrador — um homem que, por sua vez, não emite julgamentos, apenas conduz a história de forma objetiva e sem redundâncias — reforça a complexidade do drama.
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