No mundo ideal, famílias só começariam depois de observados alguns passos elementares. Duas pessoas solteiras, adultas, independentes e desarmadas iriam se conhecer, passariam meses em conversas tão excêntricas quanto imprescindíveis, trocariam beijos, carícias, firmariam compromisso e, só então, pensariam em descendentes — que talvez não viessem. Na vida como ela é, entretanto, o estado intermedeia o encontro daqueles que, por uma ou outra razão, cumpridas ou não essas etapas, não alcançam o sonho da maternidade e da paternidade, e, finalmente, um núcleo familiar nutrido por correntes de genuíno afeto, acima inclusive do onipresente sangue, estaria pronto.
Não se sabe de que forma começou a história de Paul e Wendy, mas depois de uma certa altura de “Sem Rastros”, alguma coisa rompe-se com tal violência que é difícil crer que os dois tenham sido felizes um dia. Peter Facinelli primeiro mostra seus protagonistas como um casal sem defeitos, viajando com a filha rumo a um bucólico parque de trailers em algum lugar do norte dos Estados Unidos, para depois incluí-los na tragédia que guarda uma revelação sobre seu passado. Em seu roteiro, Facinelli, que também aparece no elenco, demonstra arrojo ao unir as duas pontas, malgrado não haja nenhuma grande novidade em seu texto.
Manifestar pelos demais o apreço que se quer que tenham para conosco, muito mais que um bom costume, deve ser um exercício, uma prática que nos livra da danação da cólera, sentimento que ataca o homem quase sempre sem motivo que o justifique. Essa tarefa inglória, mas reconfortante, de compreender o outro, dar-lhes uma palavra de incentivo, um sorriso franco, destinar-lhes um qualquer semblante de bondade muitas vezes exige de nós tamanho sacrifício que é como se lançássemo-nos a uma jornada sem fim àquela vida, em que as circunstâncias que temos como verdadeiramente absurdas são o que pode existir de mais trivial.
Conforme o diretor expõe o cotidiano de Paul e Wendy, mais certeza tem o público de que algo de muito grave aconteceu entre eles num dado momento, por mais que consigam manter as aparências. Depois de devidamente instalados, Paul sai da motorcasa e dá de cara com uma bela mulher de biquíni, tomando banho numa banheira ao ar livre. Como se vai assistir, eventos dessa natureza sucedem-se apenas para ocultar em que condições se dá o sumiço de Taylor, de Kk Heim, que de acordo com o sugere o título, desaparece sem deixar vestígios.
Enquanto não passa a desvelar o mistério por trás da convivência entre Paul, Wendy e Taylor, Facinelli recheia o segundo ato com uma investigação séria acerca do possível crime que os arrebatara. É aí que entra o xerife Baker de Jason Patric, que os coloca a par de um foragido que ronda o parque. O ótimo trabalho de composição de Patric, na pele de um policial alcoólatra, atormentado por um turbilhão conjugal e sempre à beira de um colapso nervoso por não ter sido capaz de resgatar o próprio filho, vítima de um rapto há alguns anos, é outro elemento a obnubilar a verdade entre os pais de Taylor.
Em desempenhos protocolares em oito décimos do filme, Thomas Jane e Anne Heche saem do trivial numa cena em que dão azo a uma briga sobre a responsabilidade dos pais na defesa de sua prole, com direito a uma citação indireta a “O Iluminado” (1980), o clássico do terror psicológico de Stanley Kubrick (1928-1999). Apesar de muito semelhante a produções congêneres a exemplo do homônimo “Sem Rastros” (2018), dirigido por Debra Granik, e de “Fratura” (2019), de Brad Anderson, o trabalho de Facinelli tem, sim, personalidade. Mas é necessário paciência para se saber disso.
★★★★★★★★★★