Ao longo de quase três décadas, a franquia “Missão: Impossível” redefiniu o cinema de ação, movida pelo carisma inabalável de Tom Cruise e por cenas eletrizantes que desafiam os limites da realidade. Em “Acerto de Contas Parte Um”, o sétimo capítulo da saga, a promessa de uma despedida épica para Ethan Hunt encontra um terreno de contrastes, onde a genialidade convive com a repetição e o deslumbramento visual é por vezes ofuscado por fragilidades narrativas. Christopher McQuarrie, em sua quarta colaboração como diretor na série, reafirma a dedicação de Cruise à experiência cinematográfica clássica, mas também expõe sinais de cansaço na construção da trama e na reutilização de convenções já familiares.
A evolução da franquia foi marcada pela transformação instaurada por John Woo em “Missão: Impossível 2”, quando a ação intensa passou a ser o coração das narrativas, com cenas elaboradas antes mesmo do roteiro, que então era ajustado para costurá-las. Esse método, levado ao auge por McQuarrie e Cruise em “Efeito Fallout”, encontra um ponto de inflexão em “Acerto de Contas Parte Um”, onde a execução não atinge o mesmo nível de perfeição. A história gira em torno da busca por uma chave que controla uma IA incontrolável, mas a complexidade da trama se perde em diálogos expositivos que retardam o ritmo. A repetição dessa premissa em diversas cenas cria uma sensação de redundância que enfraquece o impacto dramático.
A narrativa fragmentada é visível na forma como apresenta seus personagens e conflitos. A introdução de Grace (Hayley Atwell), uma ladra habilidosa, traz energia à história, embora sua caracterização lembre figuras já vistas na saga. Simultaneamente, Ethan enfrenta perseguições de agentes que o consideram um traidor, enquanto vilões misteriosos tentam dominar o poder absoluto da IA. Essa combinação de elementos gera um enredo que oscila entre sequências de ação eletrizantes e momentos lentos em que as intrigas e traições não sustentam a tensão com a mesma eficácia dos melhores momentos da série.
Ainda que a trama tenha suas falhas, a ação continua a ser o ponto alto. O filme entrega cenas de grande impacto visual e execução técnica impressionante, como o aguardado salto de motocicleta de um penhasco, a perseguição frenética em Roma e a luta intensa em um trem em movimento. Apesar de toda a grandiosidade dessas cenas, nenhuma supera o impacto das sequências icônicas de filmes anteriores, como a escalada do Burj Khalifa ou a perseguição aérea de “Efeito Fallout”. No entanto, os 40 minutos finais do filme são um espetáculo visual memorável, comprovando a habilidade de McQuarrie em criar momentos de pura adrenalina e emoção.
A construção dos personagens, por outro lado, apresenta inconsistências. Grace surge como uma presença vibrante, mas Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), fundamental em capítulos anteriores, é relegada a um papel secundário, sem a profundidade que a tornava intrigante. Ving Rhames e Simon Pegg continuam ao lado de Ethan como seus parceiros leais, enquanto Henry Czerny retorna como Kittridge, relembrando o passado da franquia. Os vilões, entretanto, seguem como um ponto fraco. Esai Morales e Vanessa Kirby entregam atuações competentes, mas carecem da intensidade necessária para se tornarem ameaças memoráveis. Ao contrário de outras franquias de espionagem, como “007”, “Missão: Impossível” ainda luta para criar antagonistas que rivalizem com o carisma de seu protagonista.
No desfecho, “Missão: Impossível — Acerto de Contas Parte Um” oferece um entretenimento poderoso, porém não impecável. O filme oscila entre momentos de brilho e previsibilidade, mantendo o público envolvido, mas sem atingir o ápice de emoção dos melhores capítulos da saga. A ausência de um roteiro coeso e a insistência em clichês do gênero limitam seu potencial, embora ele se destaque no cenário atual dos blockbusters. A promessa de uma conclusão épica na segunda parte deixa um ar de mistério, e a expectativa é de que McQuarrie consiga conectar as pontas soltas, encerrando a jornada de Ethan Hunt com a grandiosidade que a franquia merece. Enquanto isso, Tom Cruise segue desafiando limites, provando que a velocidade e a ousadia ainda são suas marcas registradas.
★★★★★★★★★★