Prepare os lenços! O filme de amor mais emocionante do cinema voltou à Netflix Divulgação / Focus Features

Prepare os lenços! O filme de amor mais emocionante do cinema voltou à Netflix

O amor, quando interrompido por forças externas, transforma-se em uma sombra que persegue tanto os amantes quanto aqueles que os separam. Inspirado no romance de Ian McEwan, “Desejo e Reparação”, dirigido por Joe Wright não se limita a narrar uma história de paixão frustrada; explora como manipulamos memórias para justificar nossas escolhas e aliviar culpas. Trata-se de um exercício profundo de metalinguagem que expõe a impossibilidade de reescrever o passado, revelando as marcas invisíveis que perduram, mesmo quando tentamos remendar o irremediável.

O centro dessa narrativa pulsa no relacionamento proibido entre Robbie Turner (James McAvoy) e Cecilia Tallis (Keira Knightley), separados não apenas por convenções sociais, mas por um erro devastador de Briony Tallis (Saoirse Ronan). Robbie, filho da empregada dos Tallis, cresceu ciente das barreiras de classe, até que a atração por Cecilia rompeu os limites de seu mundo. Briony, dotada de uma imaginação vívida, testemunha um momento íntimo entre eles, mas interpreta a cena com a ingenuidade cruel de uma criança. O julgamento precipitado leva a uma acusação falsa, separando Robbie e Cecilia de forma irreversível e condenando ambos a um futuro despedaçado.

A adaptação de Christopher Hampton respeita a complexidade do texto original, preservando sua estrutura fragmentada e a manipulação do tempo para realçar a subjetividade das lembranças. “Desejo e Reparação” alterna entre a sofisticação da mansão Tallis — filtrada pela visão distorcida de Briony — e a brutalidade da Segunda Guerra Mundial, onde Robbie é jogado em meio ao caos como um prisioneiro de um destino injusto. A fotografia de Seamus McGarvey intensifica essa dualidade, criando um contraste poderoso entre o luxo vazio da aristocracia britânica e o horror devastador da guerra.

Entre as cenas mais impactantes está a retirada de Dunquerque, retratada em um único plano-sequência que captura a desordem do conflito. Nesse momento, Robbie vaga perdido em meio a escombros, soldados feridos e sonhos despedaçados. É uma representação pungente de sua condição: um homem condenado a vagar por lembranças e promessas não cumpridas. Cecilia, por sua vez, rompe com sua família, rejeitando o perdão à irmã e agarrando-se às lembranças de Robbie como uma âncora em meio ao vazio.

No entanto, a narrativa não se limita à história trágica de Robbie e Cecilia; o verdadeiro núcleo reside em Briony. A menina que, com uma mentira, destruiu vidas, cresce carregando um fardo insuportável. Quando surge já idosa (interpretada por Vanessa Redgrave), o filme revela uma verdade devastadora: a reparação que ela buscava era uma ilusão. As cenas de reencontro, as conversas de reconciliação, o futuro que parecia possível — tudo não passava de ficção. Robbie e Cecilia jamais tiveram uma segunda chance. Ambos morreram antes de se reencontrarem, e o que o público testemunhou foi a tentativa desesperada de uma escritora de remendar seu passado.

Essa revelação transforma o filme em uma reflexão amarga sobre a tentativa de reescrever a história para aliviar a culpa. Briony pode ter manipulado os eventos em suas palavras, mas não pode ressuscitar Robbie ou oferecer um desfecho feliz a Cecilia. Sua reparação é uma mentira necessária — para ela, para os espectadores e para os fantasmas que criou.

A trilha sonora, marcada pelo som rítmico de uma máquina de escrever, reforça a metalinguagem do filme, lembrando constantemente que a narrativa não é confiável. As atuações intensas de James McAvoy e Keira Knightley transmitem um amor condenado pela injustiça, enquanto Saoirse Ronan captura a complexidade de Briony, uma menina que não compreendeu o impacto de suas ações e uma mulher que jamais conseguiu expurgar sua culpa.

“Desejo e Reparação” não é apenas sobre um amor impossível; é um estudo sobre as verdades irrecuperáveis e sobre como a ficção tenta desesperadamente consertar o que não pode ser mudado. No fim, restam apenas as histórias que escolhemos contar — e as mentiras que precisamos acreditar para seguir em frente.

Filme: Desejo e Reparação
Diretor: Joe Wright
Ano: 2007
Gênero: Drama/Épico/Guerra/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★