Como um sonho hipnótico e desorientador, terror de filho de David Cronenberg, com Mia Goth e Alexander Skarsgård, está na Netflix Divulgação / Neon

Como um sonho hipnótico e desorientador, terror de filho de David Cronenberg, com Mia Goth e Alexander Skarsgård, está na Netflix

Em “Piscina Infinita”, Brandon Cronenberg constrói uma fábula perturbadora que mescla horror psicológico e sátira social em um cenário que se assemelha a um pesadelo distorcido. O filme acompanha James (Alexander Skarsgård), um escritor em crise criativa que viaja para La Tolqa, um fictício país do Leste Europeu, e acaba envolvido em um jogo de moralidade decadente conduzido por um seleto grupo de turistas ocidentais. Ao descobrir uma brecha no sistema legal local que permite aos mais ricos escaparem impunes de crimes hediondos através da criação e execução de clones, James mergulha em um ciclo de transgressão sem consequências reais. A premissa evoca uma perversão do conceito de “O Retrato de Dorian Gray”, onde os atos de depravação são externalizados em duplicatas descartáveis, permitindo que a elite permaneça imaculada e pronta para novas atrocidades.

O horror do filme não se apoia em sustos fáceis, mas sim na construção de uma atmosfera de opressão psicológica e desconforto crescente. A influência do horror ocultista dos anos 1970 é evidente, tanto na ambientação quanto na cinematografia repleta de flashes psicodélicos, resultando em uma experiência sensorial intensa. Cronenberg adota uma narrativa linear, porém fragmentada por escolhas estilísticas que desafiam a percepção do tempo e da realidade, criando um filme que oscila entre o hipnótico e o desorientador — o que pode explicar as reações polarizadas do público. A fotografia, reminiscentes dos trabalhos de Panos Cosmatos, adiciona uma qualidade etérea à obra, amplificando a sensação de deslocamento.

Na dinâmica entre os personagens centrais, James se revela uma figura vazia, facilmente manipulável pela sedutora e cruel Gabi (Mia Goth). Se no início ele tenta manter alguma conexão com sua esposa, sua resistência logo se dissolve diante do convite irresistível ao hedonismo desenfreado. Gabi e seu círculo já estão completamente imersos nesse mundo de impunidade e excessos, transitando sem dificuldades entre os horrores de La Tolqa e suas confortáveis vidas em Los Angeles. James, por outro lado, embarca em um processo de despersonalização progressiva, até restar apenas um invólucro de si mesmo. O que sobra do “verdadeiro” James após tantas transgressões? Ele se torna ainda mais vazio do que já era ou encontra, paradoxalmente, uma nova identidade na degradação?

A ambientação de La Tolqa é um dos grandes acertos do filme. Filmado majoritariamente na Croácia, o país fictício é apresentado como um estado policial distópico, economicamente decadente, mas funcional para o turismo de luxo. O contraste entre os resorts murados e os arredores miseráveis sugere uma crítica ácida à indiferença das elites globais. No entanto, alguns elementos da narrativa são pouco críveis, como a ideia de que uma nação subdesenvolvida possua tecnologia avançada o suficiente para clonar humanos instantaneamente. Também é questionável por que turistas endinheirados escolheriam um destino tão perigoso quando há opções mais seguras para suas buscas por prazer e transgressão.

“Piscina Infinita” se insere na linhagem de filmes como “Parasita”, “Triângulo da Tristeza” e “O Menu”, todos abordando a corrupção moral da elite e os horrores do privilégio desenfreado. No entanto, Cronenberg leva essa exploração a um patamar ainda mais grotesco e visceral, deixando a violência e a degradação psicológica à flor da pele. Não é um filme para todos — sua estrutura lenta e contemplativa pode alienar alguns espectadores — mas para aqueles dispostos a mergulhar nesse pesadelo de moralidade dilacerada, “Piscina Infinita” oferece uma experiência provocativa e perturbadora. Com atuações afiadas e uma estética visual marcante, é um filme que instiga, incomoda e permanece na mente do espectador muito depois dos créditos finais.

Filme: Piscina Infinita
Diretor: Brandon Cronenberg
Ano: 2023
Gênero: Crime/Drama/Terror Psicológico
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★