Já são mais 600 dias no Top 10: o filme se tornou uma obsessão no Prime Video e continua sendo a escolha número 1 do público Divulgação / Amazon Prime Video

Já são mais 600 dias no Top 10: o filme se tornou uma obsessão no Prime Video e continua sendo a escolha número 1 do público

O amor raramente se desenha com linhas retas. Ele transita por terrenos sinuosos, desafiando convenções e expondo fissuras que muitas vezes revelam mais sobre quem o vive do que sobre o próprio sentimento. Em “Minha Culpa”, dirigido por Domingo González, essa imprevisibilidade é elevada ao extremo, transformando um romance em uma batalha entre desejo e limites morais. Baseado no primeiro volume da trilogia de Mercedes Ron, o filme se apresenta como um conto de paixão e transgressão, no qual o impulso emocional colide com o peso de um contexto social e ético ambíguo. González, em sua estreia na direção de um longa-metragem, demonstra destreza ao capturar as turbulências internas dos personagens, mas tropeça ao tentar sugerir arquétipos de comportamento que, além de pouco plausíveis, tangenciam dilemas éticos que o próprio filme hesita em confrontar diretamente.

No centro da história está Noah (Nicole Wallace), uma jovem em meio a uma transição que não escolheu. O longa se abre com um momento carregado de simbolismo: ao esvaziar um quarto impregnado de memórias, ela se despede de um passado que, ao que tudo indica, deixou marcas ainda não completamente compreendidas. Esse ritual de despedida é abruptamente interrompido pela chegada de Rafaella (Marta Hazas), sua mãe, que carrega consigo a promessa de um recomeço — embora seja evidente que a mudança não seja uma escolha da filha. O destino de Noah agora é a mansão de William Leister (Iván Sánchez), o novo marido de sua mãe, um homem cuja presença se impõe tanto por seu status quanto pelo ambiente que construiu: uma casa de luxo cercada por jardins exuberantes, onde cada detalhe parece meticulosamente planejado para refletir poder e controle. No entanto, há algo inquietante na ausência de elementos mais pessoais, como uma biblioteca ou qualquer vestígio de autenticidade. O cenário, grandioso e impessoal, é um presságio do que Noah enfrentará dali em diante: um mundo que a seduz pela aparência, mas que esconde camadas de artificialidade e vazio.

Se a protagonista inicialmente se sente deslocada nesse ambiente, logo fica claro que a verdadeira tempestade não vem da mudança de cenário, mas sim da necessidade de conviver com Nick (Gabriel Guevara), seu novo meio-irmão. A tensão entre os dois se manifesta de imediato, em olhares e gestos carregados de subtexto. Não é apenas uma atração proibida que se desenha, mas um jogo de forças onde desejo e rejeição se confundem. González conduz essa dinâmica com um misto de provocação e contenção, explorando a ambiguidade dos sentimentos que emergem entre os dois. A relação se constrói não como um romance convencional, mas como um embate entre personalidades que se repelem e se atraem em igual medida. A forma como o diretor estrutura essa relação evoca a intensidade psicológica de “As Ligações Perigosas”, de Choderlos de Laclos, onde sedução e manipulação caminham lado a lado.

Enquanto o vínculo entre Noah e Nick se desenvolve, o filme amplia seu escopo ao inserir elementos que intensificam o senso de perigo e desequilíbrio emocional. Um dos personagens que desempenha um papel crucial nesse contexto é Ronnie (Fran Berenguer), líder de uma gangue que circula à margem da alta sociedade, mas cuja presença parece inevitável nos bastidores das relações de poder. A forma como González insere Ronnie na trama é particularmente interessante: ele é tanto uma ameaça real quanto um reflexo das próprias contradições da elite. Para os mais privilegiados, ele representa o fascínio pelo proibido, a adrenalina da transgressão; mas, ao mesmo tempo, é tratado como um elemento descartável, uma peça que pode ser usada e descartada quando conveniente. Esse subtexto reforça uma das camadas mais instigantes do filme: a linha tênue entre o desejo pelo perigo e a aversão ao que está fora dos padrões socialmente aceitos.

Visualmente, “Minha Culpa” investe em contrastes que intensificam a jornada emocional dos personagens. A fotografia alterna entre espaços vastos e iluminados e cenas mais escuras e claustrofóbicas, acompanhando as oscilações emocionais da protagonista. Enquanto a primeira parte do filme mantém um tom de descoberta e mistério, a segunda metade mergulha em uma atmosfera mais sombria, refletindo o peso das escolhas que se acumulam. González demonstra competência ao construir essa estética envolvente, mas, em alguns momentos, a trama parece hesitar entre o melodrama e a busca por um realismo emocional mais sólido.

“Minha Culpa” não é um filme que busca inovar, mas sim ressignificar velhas narrativas dentro de um contexto contemporâneo. Seu ponto de força está na dualidade dos personagens e na tensão entre desejo e moralidade, mesmo que, por vezes, sua abordagem pareça mais focada na construção de um romance visualmente atraente do que na exploração genuína de suas implicações. Ainda assim, há algo inegavelmente magnético na forma como o filme captura a intensidade dos sentimentos impossíveis. Talvez resida exatamente aí o motivo pelo qual histórias como essa continuam a fascinar: na promessa de que, mesmo quando tudo parece condenado ao erro, há algo irresistível em desafiar os limites.

Filme: Sua Culpa
Diretor: Domingo González
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★