O suspense que, em apenas 70 dias, se tornou o terceiro filme mais assistido da história da Netflix Divulgação / Netflix

O suspense que, em apenas 70 dias, se tornou o terceiro filme mais assistido da história da Netflix

Em um cenário dominado por narrativas previsíveis e heróis infalíveis, “Bagagem de Risco” se apresenta como uma tentativa audaciosa de reinserir a vulnerabilidade humana no thriller de ação. Sob a direção de Jaume Collet-Serra, a produção carrega elementos clássicos do gênero, mas os subverte ao colocar um protagonista fragilizado no centro de uma teia de ameaças que o supera em todos os aspectos. Ethan Kopek, interpretado com intensidade por Taron Egerton, é o oposto dos grandes ícones do cinema de ação: onde Ethan Hunt, de “Missão: Impossível”, encarna o domínio absoluto sobre cada situação, Kopek se debate em um labirinto de decisões impossíveis, tornando-se um herói não pela força, mas pela hesitação e pela humanidade que exibe em cada olhar aflito.

O longa se desenvolve dentro da claustrofobia de um aeroporto em plena véspera de Natal, transformando um espaço de deslocamento e transitoriedade em um palco de pressão insuportável. A trama se desenrola quando Kopek, um agente da TSA em fase de treinamento, se vê forçado a liberar uma mala suspeita para embarque sob ameaça direta à vida de sua namorada. A partir desse dilema ético inescapável, o filme não apenas estrutura sua tensão narrativa, mas também propõe uma reflexão sobre a crescente dicotomia entre segurança e liberdade, um tema pertinente na sociedade contemporânea. O roteiro de T.J. Fixman e Michael Green amplifica a atmosfera de paranoia e sufocamento, transformando cada fila, cada olhar e cada checkpoint em uma metáfora para a vigilância incessante que rege a vida moderna.

A performance de Taron Egerton é um dos pontos altos da obra. Se Kopek parece prestes a desmoronar a qualquer instante, essa fragilidade é precisamente o que sustenta sua credibilidade. Ao contrário dos heróis tradicionais, que resolvem conflitos com a confiança de quem já sobreviveu a explosões, saltos de helicópteros e perseguições mirabolantes, o protagonista de “Bagagem de Risco” se assemelha mais ao cidadão comum lançado em um pesadelo do qual não consegue despertar. A tensão psicológica é reforçada pelo antagonista interpretado por Jason Bateman, que entrega uma performance cirúrgica, equilibrando ameaça e ironia com maestria. O embate entre os dois nunca se dá em terrenos convencionais: enquanto Hunt e seus equivalentes resolvem tudo com golpes precisos e gadgets infalíveis, Kopek precisa navegar por um jogo psicológico que desgasta sua sanidade e leva o público junto com ele.

No entanto, por mais que o filme tenha o mérito de apostar em um protagonista atípico e um cenário bem explorado, não escapa de deslizes estruturais. O roteiro, por vezes, parece estender artificialmente situações cotidianas para transformá-las em desafios monumentais, tornando a experiência um tanto arrastada. A insistência em reforçar a vulnerabilidade de Kopek pode beirar o exagero, quase transformando a tensão genuína em um jogo de frustrações. Se por um lado isso reforça o realismo da história, por outro, pode fazer com que a audiência se questione se a hesitação constante do personagem não se aproxima de um artifício narrativo forçado.

Ainda assim, a força de “Bagagem de Risco” reside em sua simplicidade calculada. Em tempos em que blockbusters são moldados por orçamentos estratosféricos e efeitos visuais avassaladores, o filme opta por uma abordagem mais contida, confiando no poder da atmosfera e do drama humano. A ambientação natalina, embora discreta, adiciona um peso emocional extra à narrativa, reforçando o desespero de um protagonista que precisa fazer escolhas impossíveis em um período que deveria simbolizar encontros e segurança.

No fim das contas, a obra de Collet-Serra não pretende reinventar o cinema de ação, mas sim trazer de volta um tipo de tensão que se perdeu na grandiosidade das franquias contemporâneas. “Bagagem de Risco” não possui a robustez técnica ou o magnetismo de uma saga como “Missão: Impossível”, mas encontra sua identidade naquilo que os filmes de ação modernos frequentemente sacrificam: a imprevisibilidade do erro humano. É um thriller que, mesmo com suas falhas, consegue permanecer na mente do espectador, não apenas pela adrenalina, mas pelo desconforto de um dilema moral que, no fundo, poderia pertencer a qualquer um de nós.

Filme: Bagagem de Risco
Diretor: Jaume Collet-Serra
Ano: 2024
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★