A série que desbancou Bridgerton: 15 milhões na estreia e mais de 100 milhões de visualizações até agora Vishal Sharma / Netflix

A série que desbancou Bridgerton: 15 milhões na estreia e mais de 100 milhões de visualizações até agora

Há séries que adotam a imprevisibilidade como assinatura e, ainda assim, mantêm uma lógica intrigante a cada novo acontecimento. “A Grande Ilusão”, exibida pela Netflix e baseada no texto original de Harlan Coben de 2016, expande esse conceito de forma contundente. A adaptação de Danny Brocklehurst, sob a condução dos diretores David Moore e Nimer Rashed, alcança um equilíbrio improvável: costura situações extremas, tensões familiares e detalhes aparentemente banais, gerando um efeito hipnótico na audiência. Do primeiro instante até o encerramento, cada episódio instiga o espectador a reavaliar o que considera verídico, sem nunca entregar respostas definitivas antes do tempo.

No centro dessa teia, Michelle Keegan interpreta Maya Stern, ex-capitã do Exército que atualmente exerce funções em uma escola de atiradores. O passado militar confere à personagem uma postura firme, mas não a protege do turbilhão emocional que a envolve quando o marido, Joe Burkett (Richard Armitage), é brutalmente atacado em um parque. Embora esse incidente seja suficiente para desestabilizar qualquer pessoa, a protagonista ainda tropeça em evidências perturbadoras: uma gravação caseira flagra Joe vivo após o que todos acreditavam ter sido o fim trágico. A partir daí, paranoia e esperança se misturam, impulsionando Maya a questionar cada lembrança e a suspeitar de todos ao seu redor.

Essas dúvidas ganham novos contornos com o envolvimento de Judith, interpretada por Joanna Lumley. Ela é a sogra que domina qualquer ambiente com seus comentários mordazes e sua frieza aparentemente inabalável. Psiquiatra renomada, emprega seus conhecimentos de forma áspera, insinuando que Maya talvez não esteja em condições de diferenciar a verdade de fantasias. Enquanto isso, o detetive Sami Kierce (Adeel Akhtar) conduz as investigações sobre o suposto homicídio, embora também enfrente limitações de saúde que dificultam seu trabalho de campo. A tensão entre Maya e Judith, somada ao enigma que recai sobre o detetive, alimenta a sensação de que cada personagem protege segredos inconfessáveis.

Em paralelo a essas relações carregadas de hostilidade, uma tragédia anterior se revela decisiva: a morte violenta de Claire, irmã de Maya, meses antes do ataque no parque. Tal acontecimento não se encaixa apenas como detalhe distante; há indícios que ligam os dois eventos de modo perigoso. Arsenais domésticos guardados em cofres, lembranças truncadas pelo trauma e flashbacks oportunos contribuem para uma atmosfera que reflete a essência do universo de Coben: qualquer pessoa, por mais comum que pareça, pode esconder conexões sinistras. O cenário britânico, que substitui o ambiente nova-iorquino do romance, reforça a sensação de isolamento e claustrofobia, tornando cada rua ou jardim um território onde a realidade pode ser subvertida a qualquer instante.

O enredo não recua diante de recursos que beiram o absurdo, e essa característica funciona como motor para o suspense. Em certos instantes, Maya age como se estivesse à beira do colapso, reagindo de maneira feroz a cada possível ameaça — seja confrontando uma babá suspeita ou encarando um técnico que ultrapassa limites em um jogo infantil. Esses rompantes equilibram-se com momentos de investigação metódica, quando ela conecta pistas aparentemente aleatórias. A estrutura da série, alternando situações frenéticas com pausas reflexivas, cria um mecanismo quase hipnótico: o espectador não tem chance de se acomodar, pois qualquer sequência rotineira pode se transformar em novo golpe contra a sanidade da protagonista.

Alguns espectadores podem estranhar o rumo tomado pelas soluções narrativas ou até duvidar da coerência dos fatos, mas há um impulso magnético que faz com que cada cena seja aguardada com ansiedade. Maya Stern, por meio da atuação envolvente de Michelle Keegan, sintetiza a contradição de quem precisa manter a compostura depois de viver experiências que desafiam a lógica. Ao mesmo tempo, Judith representa a voz fria que questiona a lucidez de todos, enquanto Sami Kierce surge como o pilar que tenta recolher fragmentos de verdade num emaranhado de teorias. Não existe acordo simples entre esses pontos de vista. Há apenas a convicção de que, ao investigar “A Grande Ilusão”, pouca coisa permanece estável, e isso configura o elemento mais arrebatador de toda a trajetória.


Série: A Grande Ilusão 
Criação: Danny Brocklehurst
Ano: 2024
Gêneros: Thriller 
Nota: 8/10