Bizarra e revoltante, a história real de uma das maiores fraudes da internet, na Netflix Divulgação / Netflix

Bizarra e revoltante, a história real de uma das maiores fraudes da internet, na Netflix

A linha tênue entre crença e engano é o eixo central de “Vinagre de Maçã”, uma narrativa provocativa que desnuda os perigos da pseudociência e da manipulação emocional. Inspirada na trajetória controversa de Belle Gibson, a série escava os alicerces da fraude e da autopromoção enganosa, expondo as motivações que levam indivíduos a disseminar falsidades com consequências devastadoras. O roteiro, aliado a uma edição precisa, confere complexidade psicológica às personagens, criando um retrato incômodo e visceral da era digital, onde a verdade se torna maleável diante da persuasão carismática.

Em uma sociedade cada vez mais refém de narrativas sedutoras, “Vinagre de Maçã” escancara como as fraudes médicas, travestidas de empatia e autencidade, são impulsionadas por um híbrido de ambição desmedida e traumas mal resolvidos. O retrato ficcionalizado de Belle Gibson revela uma figura complexa, moldada por um passado disfuncional e por um desejo insaciável de reconhecimento. A série sugere que não se trata apenas de oportunismo, mas também de uma fuga deliberada da própria fragilidade, onde a autoilusião se confunde com a prática de enganar os outros.

A narrativa se desenrola através de três perspectivas distintas: Belle e seu parceiro codependente Clive; Milla, uma influenciadora fictícia que se torna ícone do movimento “naturalista”, e sua ex-amiga e delatora, Chanelle; e Lucy, uma paciente oncológica que, em meio ao desespero, abraça promessas de cura alternativa, para o horror de seu companheiro jornalista, Justin. A interseção dessas histórias confere à trama uma dimensão crítica poderosa, revelando como charlatões modernos operam e como suas vítimas, presas em ciclos de esperança e desespero, se tornam vulneráveis às falácias da medicina alternativa.

Longe de ser um caso isolado, Belle Gibson integra um panteão contemporâneo de embusteiros midiáticos, ao lado de figuras como Anna Delvey (“Inventando Anna”) e Christopher Duntsch (“Dr. Morte”). O que esses personagens têm em comum é a capacidade de explorar fragilidades humanas com uma destreza quase hipnótica. A série desafia o espectador a refletir sobre a natureza desse fenômeno e sobre a incapacidade coletiva de discernir entre carisma e credibilidade. No centro dessa equação está a ausência de pensamento crítico, um vácuo que se torna solo fértil para que discursos fraudulentos se proliferem e sejam aceitos como verdades incontestáveis.

“Vinagre de Maçã” não poupa o espectador de momentos duros. Algumas sequências, como a cena da mastectomia, capturam com brutalidade a realidade de inúmeras mulheres que enfrentam o câncer, ressaltando o impacto devastador da desinformação na saúde pública. A trama também evidencia como comunidades inteiras são persuadidas a rejeitar tratamentos cientificamente validados em favor de promessas vazias, muitas vezes com consequências irreversíveis. Ao dar voz às vítimas, a série emite um alerta urgente: a esperança não pode ser convertida em uma mercadoria explorada por oportunistas.

Se a série apresenta um ponto fraco, está em sua duração. Com seis episódios de uma hora cada, a trama poderia ser mais enxuta sem perder seu impacto. No entanto, compensa essa extensão com uma trilha sonora marcante e um olhar cirúrgico sobre o fenômeno das fraudes contemporâneas. “Vinagre de Maçã” é um estudo incômodo, mas necessário, sobre manipulação e desespero. Ao revelar como certas histórias de superação são fabricadas, a série convida o espectador a questionar narrativas que, sob o verniz do otimismo, escondem um perigoso jogo de exploração e ilusão.

Filme: Vinagre de Maçã
Diretor: Jeffrey Walker
Ano: 2025
Gênero: Crime/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★