Filme com Tom Holland que acabou de estrear na Netflix Brasil é o mais visto da atualidade em 93 países Divulgação / Colombia Pictures

Filme com Tom Holland que acabou de estrear na Netflix Brasil é o mais visto da atualidade em 93 países

Há um tipo peculiar de decepção que acompanha certos filmes de ação: aquela sensação agridoce de que, apesar do espetáculo visual e da promessa de aventura, falta algo essencial para torná-los memoráveis. “Uncharted” pertence a essa categoria. Inspirado na aclamada franquia de videogames da Naughty Dog, o filme se posiciona como um épico moderno de caça ao tesouro, mas tropeça em sua própria falta de identidade. Em vez de ser um tributo engenhoso aos jogos, “Uncharted” se limita a um desfile de referências óbvias, sem a alma que fez de Nathan Drake um dos personagens mais icônicos do universo dos games. O resultado é uma produção que, embora tecnicamente polida, passa a maior parte do tempo tentando emular seus antecessores sem compreender verdadeiramente o que os tornou marcantes.

A jornada do protagonista, interpretado por Tom Holland, começa com uma cena promissora: um despertar súbito no meio do céu, seguido de uma queda vertiginosa. É um dos raros momentos em que a adrenalina alcança a intensidade dos jogos, evocando aquela urgência visceral que define boas sequências de ação. No entanto, o impacto inicial logo se dissolve, e o filme se acomoda em uma narrativa previsível, guiada por conveniências e soluções fáceis. Holland, que já provou seu talento em projetos mais desafiadores, faz o possível para dar carisma a um Nathan Drake que carece de profundidade. A questão não é apenas a discrepância entre a idade do ator e a versão consagrada do personagem nos jogos, mas a ausência de camadas que tornem sua trajetória crível e envolvente. O roteiro, assinado por Rafe Lee Judkins, Art Marcum e Matt Holloway, apresenta Drake como um bartender nova-iorquino que, além de servir coquetéis, tem talento para furtos casuais e ginástica acrobática — uma combinação conveniente demais para ser convincente.

A dinâmica entre Drake e Victor “Sully” Sullivan, interpretado por Mark Wahlberg, deveria ser o coração da história, mas se mostra um dos pontos mais frágeis da produção. Wahlberg, escalado de forma questionável para o papel, parece deslocado, encarnando um mentor sem carisma e sem o peso narrativo necessário. A relação entre os dois protagonistas, essencial para estabelecer a tensão e o humor que caracterizam as aventuras do personagem nos games, se reduz a trocas de diálogos insípidos e um jogo de desconfiança previsível. A falta de química entre eles compromete a imersão, tornando difícil acreditar no vínculo que o filme tenta construir.

Se a relação central não funciona, a trama tampouco se esforça para compensar essa lacuna. A busca pelo lendário tesouro de Fernão de Magalhães segue o roteiro típico do gênero: mapas enigmáticos, diários antigos, símbolos ocultos em monumentos históricos e um vilão aristocrático que deseja a mesma fortuna. Antonio Banderas assume esse papel como Santiago Moncada, descendente de uma família espanhola que teria financiado a expedição de Magalhães. No entanto, mesmo com a presença de um ator talentoso, o antagonista se limita a ser uma figura genérica, com motivações rasas e um destino previsível. Para equilibrar a balança, o filme introduz Jo Braddock (Tati Gabrielle), uma mercenária impiedosa que se mostra mais implacável que Moncada, mas também carece de uma construção mais complexa.

Os obstáculos enfrentados por Drake e Sully carecem de tensão genuína. Cada pista leva à próxima com uma fluidez artificial, sem o senso de desafio que faz dos jogos uma experiência envolvente. Os enigmas são resolvidos com facilidade, as traições são previsíveis e o desenvolvimento dos personagens é superficial. A inclusão de Chloe Frazer (Sophia Ali), cuja presença poderia adicionar uma camada extra de dinamismo à história, acaba seguindo a mesma lógica mecânica da trama: seu papel oscila entre aliada e rival, mas nunca com a complexidade que tornaria essas transições instigantes.

Se há algo que “Uncharted” consegue entregar, é um visual exuberante e cenas de ação bem coreografadas. Mas o espetáculo, por si só, não sustenta a narrativa. A sequência final, com navios piratas sendo içados por helicópteros, exemplifica o dilema do filme: grandioso, sim, mas sem substância. O absurdo da cena poderia ser bem-vindo se a história tivesse abraçado a excentricidade com mais convicção, à la “Velozes e Furiosos”. No entanto, o filme hesita entre o realismo e o exagero cartunesco, resultando em um tom indeciso que impede qualquer um dos caminhos de funcionar plenamente.

Adaptações de videogames para o cinema são um campo minado. O equilíbrio entre fidelidade ao material original e a necessidade de criar algo nem sempre é fácil de alcançar. “Uncharted”, infelizmente, segue a tendência de outras tentativas frustradas, como “Tomb Raider” e “Hitman”, que falham em traduzir a essência interativa dos jogos para a linguagem cinematográfica. No entanto, há exceções: “Detetive Pikachu” e “Sonic: O Filme” mostraram que, quando há um entendimento genuíno do apelo do jogo, a transposição para as telonas pode ser bem-sucedida. “Uncharted” tinha esse potencial, mas escolheu o caminho mais seguro — e, ironicamente, mais arriscado —, apostando na nostalgia sem oferecer nada que se sustente por mérito próprio.

A pergunta inevitável é: “Uncharted” precisava de um filme? Se o objetivo era expandir o universo dos jogos e cativar um novo público, a resposta poderia ser sim. Mas se a intenção era criar uma obra que capturasse o espírito e a complexidade da franquia, o resultado fica aquém do esperado. Para os fãs, a experiência pode ser frustrante; para os espectadores casuais, pode funcionar como um passatempo leve. Mas, independentemente do perfil do público, a sensação final é a de que algo essencial ficou para trás — talvez aquilo que fazia “Uncharted” ser, de fato, inesquecível.

Filme: Uncharted
Diretor: Ruben Fleischer
Ano: 2022
Gênero: Ação/Aventura
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★