Dentre as inúmeras produções que exploram a relação entre humanos e inteligência artificial, “Cassandra” se diferencia por sua estética anacrônica e atmosfera inquietante. A série, ao mesclar referências que vão de “Os Jetsons” a “A Mão que Balança o Berço”, flerta com o imaginário de “Frankenstein” e ecos do universo de “Black Mirror”. À primeira vista, sua ambientação setentista parece desalinhada com uma realidade saturada por dispositivos ultramodernos. Contudo, à medida que a narrativa avança, torna-se evidente que essa escolha estilística não apenas se justifica, mas também potencializa a sensação de deslocamento e estranheza, um dos motores centrais da trama.
A história se desenrola em dois eixos temporais interligados: o passado enigmático de Cassandra nos anos 1970 e o presente de uma família que, abalada pelo luto, se muda para uma casa onde o passado ressurge de maneira inesperada. Inicialmente, a série dá a impressão de ser mais uma obra genérica sobre tecnologia descontrolada — um equívoco recorrente no gênero. No entanto, conforme os episódios se sucedem, percebe-se um diferencial: a trama se interessa mais pela origem e implicações emocionais da inteligência artificial do que por sua faceta distópica convencional. Em vez de apenas reciclar a clássica narrativa do robô que se volta contra seus criadores, “Cassandra” constrói um mistério que se adensa com o tempo, sustentando a atenção do espectador além dos clichês habituais da ficção científica.
Ainda assim, a série não escapa de falhas narrativas e conveniências de roteiro. Há momentos em que a lógica interna se fragiliza, e algumas reviravoltas parecem existir mais para gerar impacto imediato do que para fortalecer a coesão da história. Isso se torna mais evidente nos episódios finais, onde atitudes inverossímeis dos personagens comprometem parte da construção meticulosa estabelecida ao longo da trama. Para o espectador mais atento, essas inconsistências podem enfraquecer a imersão; para aqueles dispostos a relevar tais deslizes, no entanto, a jornada permanece instigante.
O elenco entrega performances irregulares. Enquanto as atrizes que interpretam Cassandra e a matriarca da família demonstram consistência e nuance, outros personagens — notadamente o pai e a filha — não atingem o mesmo nível de profundidade, resultando em momentos de fragilidade dramática. Apesar disso, o conjunto consegue manter a narrativa funcional e garantir o envolvimento do público. Já o design de produção se destaca como um dos pontos altos da série, criando uma ambientação visualmente rica e convincente. A transição entre as décadas é trabalhada com precisão, evitando tanto o exagero estilizado quanto a artificialidade que frequentemente acompanha reconstituições de época.
Embora “Cassandra” não seja uma obra que redefine paradigmas, tampouco pode ser descartada como apenas mais uma incursão no já saturado universo das histórias sobre inteligência artificial. Sua abordagem, ainda que imperfeita, busca um diferencial ao explorar a conexão humana que sustenta a tecnologia, em vez de apenas apontar seus riscos ou potenciais catastróficos. Para aqueles que apreciam uma ficção científica que se equilibra entre o suspense psicológico e a reflexão existencial, a série oferece uma experiência intrigante. Além disso, para estudantes de alemão, sua dicção clara e bem articulada pode ser um atrativo adicional. “Cassandra” talvez não seja memorável a ponto de deixar uma marca definitiva no gênero, mas certamente merece ao menos um olhar atento — e, para os que se permitem mergulhar em suas camadas, talvez até mesmo uma segunda interpretação.
★★★★★★★★★★