Personalidade maiúscula de seu tempo, Oscar Wilde (1854-1900) fez da vida sua obra. O escritor e poeta irlandês, um dos mais populares na Londres vitoriana, quase imobilizada pelo puritanismo e pela hipocrisia de uma elite que fechava os olhos ao empobrecimento galopante da classe operária, por alguma razão que só os deuses explicam, era capaz de passar por cima das convenções e dizer o que pensava, malgrado com floreios que apenas as mentes mais privilegiadas alcançavam.
Sem dúvida, Wilde foi o literato que melhor soube traduzir a inconveniência, o desajuste, o horror de ser diferente abordando uma realidade que conhecia bem. Quando seus então admiradores deram-se conta de que em seus textos pulsava um clamor pela verdadeira liberdade, que era obrigado a sufocar, Wilde tivera a certeza de que havia chocado o ovo de sua própria maldição, mas não parecia arrependido. Neste “O Retrato de Dorian Gray” Oliver Parker vai fundo nas perversões de um aristocrata jovem e bonito, conservando as cores góticas do romance filosófico homônimo de Wilde, de 1890, já mostradas por Albert Lewin (1894-1968) em 1945.
Precursor do esteticismo, Wilde uniu a uma prosa impecável, rebuscada até, temas que provocavam o escândalo da sociedade da época em que viveu, ainda que, no silêncio das alcovas, todos soubessem que sua literatura era necessária. O irlandês registrou como poucos o envolvimento amoroso de dois personagens masculinos, o que foi se tornando um tabu cada vez menor no cinema, desde o divertido (e nada tenso) “Quanto Mais Quente Melhor” (1959), de Billy Wilder. O roteiro de Toby Finlay hipnotiza o espectador como a serpente antes do bote, fixando-se na figura excêntrica de Dorian Gray para dar-lhe a impressão de que está diante de um conto de fadas quando, na verdade, a trama vai convergindo para uma narrativa tétrica, simbolizada pelo tal retrato, em que o protagonista aparece como realmente é, mas não só.
A estampa delicada de Dorian, quase um vampiro com aquela pele de porcelana, está sempre levando o filme para caminhos dúbios, que ficam menos nebulosos com a entrada em cena de Lord Henry Wotton, que vê no garoto o resgate de sua mocidade perdida, sem saber, claro, quem ele é e o que o fez para nunca sentir o peso dos anos. Ben Barnes e Colin Firth mantém a coesão da pena de Wilde, não obstante a escolha de Parker por destacar subtramas irrelevantes, em vez de iluminar melhor o tal amor que não ousava dizer seu nome e, o principal, seus engodos.
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