Os Estados Unidos nunca mais foram os mesmos depois da fatídica manhã de onze de setembro de 2001. Às 8h46 daquele dia memorável pelas razões que mulheres e homens que prezamos pelos valores civilizatórios que nos possibilitaram chegar até aqui com alguma ordem queríamos esquecer, o terrorismo arreganhara os dentes para o mundo de maneira mais assustadora e definitiva, irrompendo um episódio que, felizmente, continua a inspirar o repúdio da comunidade internacional.
Autoridades omissas e ineptas têm sua imensa parcela de culpa no abismo de neurose e pânico que se formou junto à sociedade americana, onde vicejam lunáticos com uma ideia muito peculiar de Deus, uma entidade diabólica movida a rancor, intolerância, fúria e sempre ávida do sangue dos infiéis, chamados desse modo só porque atrevem-se a professar outras fés. “Dia Zero” ganha corpo a partir das mágoas de uma potência ferida, encarnada por um político experiente, que julgava já ter cumprido sua missão como servidor público. Consciência crítica da América, George Mullen, o ex-presidente interpretado por Robert De Niro, volta ao arriscado jogo da política externa, arrastando sua família para uma espiral de ciladas que perduram até o sexto e último episódio. Surpreendentemente vigoroso aos 81 anos, De Niro é, com a licença do trocadilho, o próprio salvador da pátria, o que não deixa de carregar uma generosa medida de sarcasmo quando se faz uma retrospectiva ampla em sua brilhante carreira.
Quanto mais tenta aprofundar-se no que efetivamente aconteceu nos bastidores do maior ataque à soberania americana em seu próprio território, mais a indústria audiovisual aumenta em nós a certeza de que havia e há alguma coisa muito errada com a América, sem nunca acenar para o isentismo hipócrita e covarde e sugerir que as vítimas — e a grande mártir de todas, a democracia dos Estados Unidos — tiveram alguma responsabilidade por seu suplício. Mullen, por seu turno, está pronto para mais um dia de sossego. Acorda sozinho numa cama de casal, caminha até o banheiro, toma seus remédios, dá umas braçadas na piscina, corre com o cachorro, até ligar a TV e ver que o país pega fogo, conflagrado por uma invasão cibernética tão devastadora quanto misteriosa.
Tarimbados, os autores Eric Newman, Noah Oppenheim e Michael Schmidt tiram todo o proveito que conseguem de um tema que qualquer um passou a assimilar desde o Onze de Setembro, contando com o carisma de uma personalidade que, embora hoje mansa, nunca teve medo de polêmica. O Mullen de De Niro aceita ajudar Evelyn Mitchell, a presidente de turno vivida por Angela Bassett, e chefia uma tal comissão Dia Zero, com poderes para investigar e prender sem mandado quem considerar suspeito. Não é possível se falar de George Mullen sem aludir a Travis Bickle, o justiceiro egresso da Guerra do Vietnã (1955-1975) que ronda Nova York ávido por “faxinar” a cidade em “Taxi Driver” (1976), o clássico de Martin Scorsese. Retirado do debate político por livre e espontânea vontade desde a segunda eleição de Donald Trump, em 6 de novembro de 2024, em “Dia Zero” De Niro volta a dar suas bofetadas com luvas de pelica. Mas dessa vez os Estados Unidos não têm nenhum Iraque para chamar de seu.
Série: Dia Zero
Criação: Eric Newman, Noah Oppenheim e Michael Schmidt
Ano: 2025
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10