A desumanização é a primeira etapa para justificar o extermínio em massa. Quando um grupo é reduzido a algo inferior, como pragas ou vermes, sua eliminação passa a ser percebida como uma necessidade para preservar a suposta ordem social, que, paradoxalmente, torna-se menos diversa e mais autoritária. Entre 7 de abril e 15 de julho de 1994, Ruanda foi palco de um dos genocídios mais brutais do século 20, quando os hutus, grupo étnico majoritário, decidiram que os tútsis eram “baratas” e, portanto, passíveis de extermínio. Em 98 dias, o país mergulhou em uma onda de sangue, dor e caos, que o deixou devastado. Trinta anos depois, as cicatrizes ainda são visíveis, e muitas perguntas permanecem sem resposta.
É neste cenário sombrio que Terry George ambienta “Hotel Ruanda”, uma representação poderosa dos dias de terror vividos na capital Kigali, onde um homem ergueu-se como símbolo de humanidade e coragem em meio à selvageria. A trama acompanha Paul Rusesabagina, gerente do Hôtel des Mille Collines, que, em meio à guerra civil, protegeu 1.268 pessoas do massacre. O roteiro de George e Keir Pearson apresenta Paul como um farol de esperança, revelando sua astúcia diplomática e sua habilidade de negociação em um contexto onde vidas eram descartáveis. O filme expõe o horror do genocídio sem recorrer a cenas excessivamente gráficas, preferindo uma abordagem emocionalmente poderosa por meio de diálogos incisivos e atuações memoráveis.
Em um dos momentos mais vergonhosos da história recente, a diplomacia mundial mostrou-se impotente, enquanto a violência étnica consumia Ruanda. O governo de Juvénal Habyarimana, pertencente à etnia hutu, precipitou a crise ao cair diante da Frente Patriótica de Ruanda (FPR) em 1990. O fracasso dos Acordos de Arusha e o assassinato de Habyarimana desencadearam um conflito de proporções inimagináveis. Rusesabagina, inicialmente um personagem secundário, emerge como um herói silencioso, enquanto sua família — a esposa Tatiana, os filhos Roger, Diane, Lys e Tresor, e os parentes próximos — se tornam refugiados em seu próprio país, confinados ao hotel que gerencia. Don Cheadle e Sophie Okonedo entregam performances de profundidade impressionante, dando vida à coragem e ao desespero daqueles dias. George conduz o enredo com maestria, evitando o sensacionalismo e focando na complexidade humana diante do mal absoluto.
★★★★★★★★★★