A obra de David Mackenzie, que abriu o Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2018, exibe um cuidado técnico impressionante. O uso de drones para capturar vastas paisagens, a recriação detalhada de trajes de época e a coreografia meticulosa das batalhas revelam um compromisso notável com a autenticidade histórica. Mackenzie conduz com precisão uma narrativa densa, abordando temas universais como ambição, dilemas éticos, decadência moral familiar e a dolorosa evolução de uma nação. A direção habilidosa extrai o máximo do elenco, transformando cenas cotidianas em momentos épicos que enriquecem o enredo central.
O filme mergulha na jornada complexa de Roberto I, soberano escocês que liderou uma guerra contra a coroa inglesa no início do século 14. Chris Pine encarna o líder com carisma e humanidade, refletindo a dualidade de um governante que se equilibra entre a autoridade paternalista e a responsabilidade política. A Escócia retratada é um território dividido, com identidades em constante disputa. A luta de Roberto não se resume apenas à conquista territorial, mas também à unificação de um povo fragmentado. As consequências de seus atos reverberam por todas as classes sociais, desenhando um cenário de instabilidade e ressentimento. Um plano-sequência marcante revela as nuances de um líder complexo, desafiando o maniqueísmo típico do gênero.
O embate entre Roberto e Edward I, vivido por Billy Howle, constrói a espinha dorsal da narrativa, um duelo de personalidades e ambições. Mackenzie equilibra o roteiro ao explorar a ambiguidade moral de ambos os personagens, evitando simplificações. O confronto não é apenas físico, mas também psicológico, mostrando como ambos os lados sofrem com as decisões tomadas. Esse jogo de poder é retratado com uma profundidade que subverte a estrutura tradicional de heróis e vilões. A complexidade narrativa reflete a fluidez da história real, onde lealdades e traições se entrelaçam constantemente.
A abordagem histórica de Mackenzie, embora embasada em fatos, não se limita ao relato documental. Ao trazer à tona o conflito anglo-escocês, o filme traça paralelos com questões contemporâneas de identidade nacional e resistência cultural. A figura de Roberto emerge como um símbolo de revolta contra a opressão imperial, evocando arquétipos universais. A narrativa ecoa a eterna luta por autonomia e justiça, conferindo ao filme uma relevância atemporal. A representação da Escócia como um território dividido, mas resiliente, reforça a ideia de que a história é cíclica, repetindo-se sob novas máscaras.
Florence Pugh oferece uma atuação impactante como Elizabeth de Burgh, esposa de Roberto, cuja presença, embora breve, confere profundidade emocional ao protagonista. O sequestro de Elizabeth amplifica o dilema moral de Roberto, expondo as contradições entre poder e vulnerabilidade. Pugh traz uma carga dramática intensa, tornando a dor da separação palpável e humanizando o monarca. A performance ressalta a importância das relações pessoais nas decisões políticas, adicionando camadas ao desenvolvimento do personagem central.
A jornada de Roberto I não se limita à conquista militar; é também uma busca por legitimidade e identidade. O filme expõe as implicações duradouras de suas escolhas, revelando como o legado do monarca moldou o destino da Escócia. O desfecho, longe de ser triunfante, carrega uma melancolia reflexiva, reconhecendo o custo humano das guerras de independência. Ao explorar a complexidade da liderança, o filme convida o público a questionar as narrativas heroicas simplificadas e a confrontar as contradições do poder.
Mackenzie apresenta uma interpretação ousada das relações de poder, comparando a monarquia medieval às ditaduras modernas. O filme sugere que a luta de Roberto transcende sua época, ecoando em debates contemporâneos sobre liberdade e opressão. O diretor tece um comentário social inteligente, demonstrando como os conflitos de poder são universais e atemporais. Esse subtexto político enriquece a narrativa, tornando-a mais do que uma recriação histórica: é uma reflexão sobre o ciclo interminável da luta pelo poder.
O simbolismo histórico é magistralmente construído, especialmente na forma como a rivalidade entre Escócia e Inglaterra é abordada. Mackenzie traça uma linha narrativa que conecta as tensões do século 14 com questões modernas de soberania. A escolha de explorar esse contexto histórico confere profundidade à trama, destacando como a história molda identidades nacionais. A referência a Mary Stuart e a continuidade dos conflitos anglo-escoceses reforçam o tema da resistência cultural e política.
A obra é uma meditação sobre o poder e seus dilemas. Ao desconstruir o mito heroico de Roberto I, o filme oferece um olhar mais humano e ambíguo sobre a liderança. Mackenzie evita a glorificação simplista, optando por um retrato multifacetado que explora os sacrifícios exigidos pelo poder. O espectador é confrontado com a realidade crua das decisões políticas, criando um diálogo profundo sobre ética e autoridade. Essa abordagem madura e complexa distingue o filme no gênero histórico.
★★★★★★★★★★