Viver é uma constante travessia por terrenos incertos, onde sombras e armadilhas aguardam à espreita, prontas para desafiar nossas convicções mais sólidas — e, frequentemente, falsas. A realidade, com sua dureza implacável, às vezes assume contornos absurdos, expondo a fragilidade de nossas certezas no exato momento em que mais delas dependemos. Se não há poder algum que possa deter o avanço do tempo e a iminência do fim; se o esforço para encontrar salvação — um objetivo árduo, de escassas recompensas e pouco prazer — não faz senão nos arrastar para as profundezas das melhores intenções; se a esperança de escapar das correntes que afundaram titãs é apenas uma ilusão, a única resposta sensata é encontrar humor no caos e rir, pois é rindo que se enfrenta o absurdo.
Ruben Fleischer compreende essa ironia essencial e oferece em “Uncharted: Fora do Mapa” um espetáculo visual frenético, repleto de ação e caos coordenado, onde o impossível é tratado com uma naturalidade quase cômica. O diretor transpõe a energia vibrante do jogo de Playstation para as telas, criando um universo onde duas figuras moralmente ambíguas revelam seu lado humano, justificando as escolhas que as levaram a buscar riquezas proibidas. Com cenas engenhosamente absurdas e diálogos afiados, Fleischer não apenas recria a atmosfera do game, mas também a expande, permitindo ao público explorar as motivações e fraquezas dos personagens, enquanto o ritmo acelerado mantém o espectador cativo.
Diante da perspectiva sombria de um futuro moldado por séculos de descaso e exploração sem limites, surge o dilema: podemos mudar o curso dos acontecimentos? A humanidade, ao longo de sua história, lançou sementes de destruição com o mesmo ímpeto com que buscou o progresso. No entanto, o tempo, imparável em sua marcha, vai revelando as consequências de nossas escolhas, expondo o impacto de nossos atos sobre um planeta coberto por vastos oceanos que, cada vez mais preciosos, alimentam não apenas nossos corpos, mas também nossos sonhos e tragédias. Nathan Drake, mesmo em sua juventude impetuosa, compreende que o preço das decisões de hoje será cobrado no futuro, moldando seu destino de formas inesperadas.
Ainda assim, ele se junta a Victor Sullivan, o ousado Sully, um aventureiro moderno que, após roubar o diário do explorador espanhol Juan Sebastian Elcano, se vê na trilha de um antigo tesouro perdido, legado da Casa de Moncada, que remonta à época de Elisenda, rainha consorte de Aragão. O roteiro de Matt Holloway, Rafe Judkins e Art Marcum abraça o caráter fantasioso da história, conduzindo o espectador por uma jornada repleta de surpresas e perigos. Tom Holland e Mark Wahlberg interpretam a dupla com uma química vibrante, trazendo humor e emoção à narrativa, enquanto Fleischer equilibra ação e espetáculo visual com um tom irreverente e envolvente. Ao final, fica a sensação de que, para entender plenamente a aventura, o retorno ao videogame é quase inevitável.
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