A loucura cai bem a Amy Schumer. Amy, a personagem central de “Descompensada”, vivida por Schumer, dá a impressão de saber muito bem o que faz, mas se para um momento e faz um balanço de tudo quanto pôde amealhar ao longo da vida constata que não tem o mais importante. Por mais inventivos que consigam ser, filmes que se debruçam sobre mulheres (e, sobretudo, a nova mulher) nunca são exatamente uma surpresa, uma vez que elas querem muito mais a beleza da juventude eterna e carreiras à prova do avanço da tecnologia. As mudanças estruturais alicerçadas em mulheres ao redor do mundo soam como apenas um delírio enevoado se se tem por contraponto o lugar na história de onde saíram e quão longe puderam chegar, à custa de muito esforço e boa dose de autossacrifício. Judd Apatow, contudo, é capaz de tocar em assuntos que interessam cada vez mais ao público feminino, mas não deixam de instigar a curiosidade e a atenção de marmanjos, afinal, elas costumam procurá-los, e vice-versa.
Mulheres podem se expressar da forma como bem entenderem, desde que seja aquela imaginada, e, o principal, aceita pelos homens. Este é um trabalho autoral muito característico, daqueles sobre os quais especulam-se as frações de realidade, e o roteiro de Schumer deixa claro que ela deve ter passado por muito do que se encontra na tela — a começar pela evidência nada desprezível de a anti-heroína dividir com a roteirista-estrela o próprio nome. A Amy da ficção é alguém cujo currículo sexual parece invejável, mas é só uma prova de imaturidade que pode arrastá-la para o buraco mais fundo. Uma cena na introdução mostra Amy e a irmã, Kim, crianças, recebendo do pai, Gordon, o conselho de evitar a monogamia. Passam-se duas décadas, e Amy é vista ao fim de um encontro, na cama, com um sujeito de Staten Island, do outro lado da baía de Nova York, e a cena se repete em muitas outras ocasiões, inclusive com Steven, o fisiculturista apaixonado por si mesmo de John Cena, numa das sequências mais nonsense da história dos filmes. Pano longo.
Ninguém sabe muito bem por que o amor começa, é verdade, mas qualquer um é capaz de elencar um interminável rol de motivos que justifiquem ou ao menos deem alguma explicação sobre seu fim, que em certas ocasiões concorre para outros términos. Especialmente perdida, lidando sozinha com suas péssimas escolhas, Amy tem lampejos de felicidade no trabalho, incentivada pela chefe abusiva Dianna, interpretada por uma Tilda Swinton surpreendentemente gostosa, mas é só uma questão de tempo para que vá ter de abdicar também disso, por uma razão cujo absurdo Apatow delineia bem e sem reducionismos espertos.
O pulo do gato em “Descompensada” é a maneira como o diretor elabora o amadurecimento, tardio e doloroso, da protagonista, quiçá depois do choque de efeito retardado de ser comunicada da morte do pai, morando há algum tempo num asilo. O amor verdadeiro de Amy por Aaron, o médico interpretado com espantosa leveza por Bill Hader, é sua salvação. E ninguém atrever-se-ia a dizer que ela não a merece, principalmente após o espetáculo tragicômico que fecha esse besteirol nada tolo.
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