Num tempo distante, em que certos homens concentravam toda a autoridade de um território anárquico, sem cercas ou muralhas na fronteira entre os Estados Unidos e o México, cada grão de areia, cada folha de cacto, cada escarpa de rocha guardava uma razão para os conflitos protagonizados pelos vaqueiros americanos. Essa guerra de nervos estendeu-se por 250 anos, harmonizados à custa de sangue, suor, lágrimas e o aço dos revólveres, sempre em defesa da liberdade — a dos mais fortes e mais poderosos, sobretudo. Justiça era uma ideia um tanto vaga, e homens corretos, bandidos e meretrizes encontravam uma maneira qualquer para conviver sem maiores percalços, o que poderia significar a diferença entre o calor das pradarias e o cemitério.
James Mangold decifra alguns códigos do faroeste em “Os Indomáveis”, uma velha história sobre honra e moralidade, cada mais raras. Celebrado por peças de fina artesania pós-moderna a exemplo de “Johnny and June” (2005), com direito a um Oscar de Melhor Atriz para Reese Witherspoon, e o recente “Um Completo Desconhecido” (2024), uma biografia autorizada sobre Bob Dylan, o vaqueiro das estrelas, com indicações da Academia nas categorias Filme e Ator, para Timotheé Chalamet, entre outras, Mangold transforma o conto “Three-Ten to Yuma” (“às três e dez para Yuma, em tradução livre; 1953), de Elmore Leonard (1925-2013), já levado à tela por Delmer Daves (1904-1977) em “Galante e Sanguinário” (1957), na saga de um homem alquebrado pela vida, mas disposto a lutar pelo que lhe pertence.
Dan Evans guarda da Guerra Civil Americana (1861-1865) marcas na carne e no espírito. Depois de ter ficado sem uma perna, ele vai para o Arizona tentar ganhar a vida como criador de gado, mas logo enfrenta desafios que exigem dele mansidão sobre-humana ao lidar com um vizinho que o quer longe dali. Em meio a isso, ataques de peles-vermelhas e a quadrilha de Ben Wade aterroriza pequenos camponeses que, como ele, só se interessam pelo sustento de sua família, mas são obrigados a esconder-se ao menor rumor de uma nova investida.
Quando Wade é finalmente capturado, Evans é escolhido para integrar o grupo que o vai escoltar até Contention, de onde, às três e dez da tarde, sai o o tal trem para Yuma, em cuja cadeia aguardará uma quase certa pena capital. O roteiro de Michael Brandt, Derek Haas e Halsted Welles junta ao leito da narrativa elementos que suavizam a angústia de Evans, como a interação com William, o filho mais velho, personagem de Logan Lerman, que conhece de cor a fama de Wade dos romances sobre sua trajetória no submundo. Mangold explora com segurança uma possível frouxidão moral de William, até as coisas ficarem mais claras no terceiro ato.
Ao chegar a Contention, Evans e seu antípoda dividem um quarto de hotel, e o diretor aproveita para executar uma imersão minuciosa nas consciências dois homens, expondo o que os separa, mas, em especial, os pontos de contato entre universos tão discrepantes. Christian Bale e Russell Crowe têm cada um seu momento, da mesma forma que o Charlie Prince, o adjunto de Wade vivido por Ben Foster, que parece esconder (ou nem tanto) uma paixão pelo chefe. Mangold usa de delicadeza para eviscerar essas figuras rudes, mas meio burlescas, trabalhando aspectos como a rivalidade masculina, um de seus temas prediletos, conforme se assiste em “Ford vs Ferrari” (2019). Uma última fala de Wade, para um determinado interlocutor, dá-nos a certeza de que filmes como “Os Indomáveis” continuam necessários, e que talvez ainda estejamos no século 19.
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