Segundo a mitologia nórdica, todo homem recebe um tempo exato no mundo, nem longo demais nem curto em excesso. Esse período é suficiente para que chegue, se conheça, desenvolva seus talentos, conquiste sua subsistência e deixe um legado antes de atravessar para um reino inalcançável, do qual ninguém retorna em carne. Essa visão de destino é regida pelas nornas, três anciãs que tecem, preservam e rompem o fio da vida de deuses e mortais. Próximas de Odin, o Pai de Todos, essas figuras míticas, equivalentes às Moiras gregas Cloto, Láquesis e Átropos, personificam o poder inquestionável do destino.
Essa concepção nórdica da existência permeia “O Homem do Norte”, a rigorosa reconstrução que Robert Eggers faz de uma antiga lenda escandinava, reconhecível por sua adaptação feita por William Shakespeare entre 1599 e 1601 em “Hamlet”. A história narra o tormento de um príncipe dinamarquês em busca de vingança pela morte do pai. Eggers preserva a essência do conto, mantendo a fonética e os caracteres originais, que dão vida a Amleth, príncipe viking de um reino há muito desaparecido na região da atual Noruega ou Suécia, que testemunha o assassinato do pai pelo tio. O diretor mantém a estrutura fundamental do mito, coescrevendo com o poeta islandês Sjón um texto onde a violência ganha autonomia narrativa, nunca questionada em sua presença implacável.
Eggers explora com maestria a atmosfera de terror e desajuste mental que se tornou sua marca registrada. Assim como em “O Farol” (2019) e “A Bruxa” (2015), ele constrói metáforas carregadas de lirismo sombrio, conduzindo o espectador a um estado de imersão profunda. Para isso, conta com a trilha sonora inquietante de Robin Carolan e Sebastian Gainsborough e a fotografia sombria e hipnotizante de Jarin Blaschke. O resultado é uma experiência sensorial que ultrapassa os limites do que se espera de uma narrativa histórica, intensificando a jornada visceral de Amleth.
Desde a primeira cena, fica claro que estamos diante de uma obra-prima do cinema contemporâneo. A edição de Louise Ford conecta a releitura de Eggers sobre o mito de Amleth ao “Hamlet” de Laurence Olivier (1948), ressaltando o eco da desconfiança do príncipe sobre as aparências no reino corrompido. A cena em que Odin amaldiçoa Amleth e seus descendentes, antecipando a traição mortal que se seguirá, é um tributo inteligente à intervenção sobrenatural presente na versão de Olivier, trazendo os espectros do Hel, o submundo dos que morrem sem glória.
Alexander Skarsgård entrega uma performance visceral como Amleth, encarnando a agonia e a sede de vingança que o consomem desde criança, interpretado inicialmente por Oscar Novak. Sua jornada é uma busca incansável por justiça e sentido, culminando em um destino inevitável que ele próprio se impôs. Mesmo diante da brutalidade e do desespero, Amleth encontra tempo para o amor, embora não como um homem comum. Olga, a enigmática guardiã da Floresta de Bétulas, interpretada com intensidade por Anya Taylor-Joy, surge como um elo entre o príncipe e uma transcendência que desafia o tempo e o espaço.
Eggers compõe uma narrativa hipnotizante, em que a vingança, o destino e a mortalidade se entrelaçam em um épico poderoso. Ao respeitar as raízes mitológicas enquanto imprime sua assinatura estética, o diretor cria uma experiência cinematográfica singular, em que a brutalidade e a beleza coexistem em um equilíbrio perturbador. O resultado é uma obra que não apenas homenageia as lendas escandinavas, mas também explora as profundezas da psique humana, deixando um impacto que ressoa muito além dos 137 minutos de projeção.
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