O filme que transformou um diamante roubado em uma das histórias mais brilhantes do cinema — na Max Divulgação / Columbia Pictures

O filme que transformou um diamante roubado em uma das histórias mais brilhantes do cinema — na Max

Filmes de ação podem muito bem transcender sua natureza de cenas em que ossos se partem e o sangue escorre, e transmitir mensagens mais elaboradas. Dependendo de como o componente sociopolítico entre nessas histórias, pode-se inferir que os temas ditos graves e urgentes tornam-se menos herméticos, quiçá até despertem imprevisíveis paixões, malgrado o pensamento que defende que a qualquer um caiba solucionar crimes e interromper abusos seja muito perigoso.

Feita esta ponderação, “Snatch: Porcos e Diamantes” é uma sátira engenhosa sobre uma gente suja que ganha a vida com expedientes os mais abjetos, desafiando a lei e muitas corrompendo seus representantes. Aqui, Guy Ritchie abusa de ganchos criativos para ligar competições de pugilato amador e todas as figuras tortas que fazem parte desse universo ao afano de uma relíquia, e então a mágica começa a acontecer. Apaixonado por movimento, Ritchie faz de “Snatch” um dos emblemas do cinema macho, discutindo temas importantes entre um e outro golpe.

“Snatch” parece um amálgama de “Clube da Luta” (1999), de David Fincher, com “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998), quando o diretor-roteirista falou de uma sequência de crimes desencadeada pela tentativa de um malandro de se dar bem. Trilhando o mesmo caminho, agora Ritchie enfrenta o politicamente correto e adiciona um cigano-irlandês, branco e bonito, para aludir ao caos de megalópoles como Londres, onde todo mundo fala e quase ninguém se entende.

Mickey O’Neil galvaniza muito da força do filme, e é impossível não lembrar do papel de Brad Pitt no longa de Fincher — não é incorreto, aliás, dizer que esta seja uma continuação de “Clube da Luta”, e que Mickey acabe por tornar-se um Tyler Durden mais encardido e mais malicioso. Quando Franky Quatro-Dedos, o traficante vivido por Benicio del Toro, rouba um diamante na Antuérpia e para na capital do Reino Unido numa escala para Nova York, um criminoso russo chamado Boris, o Punhal e Avi, um gângster americano, tentam surrupiar-lhe a pedra, algemada ao seu pulso. Nem preciso dizer onde isso vai dar.

Outros tipos excêntricos e de alcunhas bizarras como Tony Dente de Bala e Turco, interpretados por Vinnie Jones e Jason Statham, entram na dança, mas “Snatch” poderia muito bem orbitar apenas em volta do anti-herói de Pitt — que remete vagamente (ou nem tanto) a Leopold Bloom, o protagonista do “Ulisses” (1920) de James Joyce (1882-1941) — ou do vilão encarnado por Benicio del Toro. Talvez o excesso de personagens seja o calcanhar de Aquiles da narrativa, mas admito que esse vigor ostensoriamente anárquico de Ritchie não deixa de servir como uma marca registrada, uma impressão digital, que distingue seu trabalho da pasteurização incurável de Hollywood, sobretudo no gênero em que prefere atuar. Ser autêntico tem um preço, e Guy Ritchie sempre parece ter uma preciosidade qualquer na manga.

Filme: Snatch: Porcos e Diamantes
Diretor: Guy Ritchie
Ano: 2000
Gênero: Comédia/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.