A morte cai bem a muita gente. Todavia, depois da visita da Indesejada, uma vasta legião de pobres-diabos não consegue nem subir ao Céu nem ser admitido no submundo, e precisam arranjar uma torre de igreja, uma praia deserta ou um casarão abandonado para servir-lhe de abrigo. Todos padecemos de males de que só nós mesmos temos a dimensão, e nem sempre é possível escalar a muralha de desafios que separa-nos dos outros sofredores, todos ligados por um fastio moral que nos humilha e também nos absolve. Nessas criaturas, entretanto, cristaliza-se uma dor tão imensurável que tudo quanto possam fazer de mais assustador resvala no cômico, e qualquer um é capaz de sentir-lhes pena.
“Fantasmas” não chega a elucubrações tão argutas sobre o que pode existir de poesia no hibridismo de manifestações paranormais, porém encontra graça em lances banais, assumindo o teor nonsense do enredo. Milagrosamente, Joe Port e Joe Wiseman dispõem de todo o tempo de que necessitam para desenvolver sua história, uma releitura da série homônima britânica sobre um casal que herda um palacete multicentenário infestado de espíritos de diferentes épocas, e então vivos e mortos são obrigados a conviver como se nada houvesse.
No episódio que abre a primeira temporada, Samantha Arondekar recebe de herança de um parente distante o tal imóvel, e não vê a hora de mudar-se de Nova York, onde mora de aluguel com o marido, Jay, num apartamento modesto. Eles têm a intenção de transformar aquele imenso mausoléu numa pousada chique, malgrado não saibam que na propriedade já moram um guerreiro viking, uma socialite dos anos 1980, um ex-combatente da Guerra Civil Americana (1861-1865), um operador playboy de Wall Street, uma hippie, uma cantora de jazz, um indígena e um escoteiro, que deveriam ter partido para uma outra dimensão, mas que permanecem aqui embaixo, quiçá pagando alguma penitência que só eles mesmos sabem.
Depois de sofrer um acidente que a deixa “tecnicamente” morta por três minutos e ficar em coma por duas semanas, Sam e Jay revezam-se nas situações em que os dois se deparam com os verdadeiros donos da casa, sabendo como cada um foi parar ali, e o que devem fazer para, afinal, ter sucesso no plano de levar adiante uma reforma detalhada e abrir o novo negócio. Na Netflix, “Fantasmas”, com os protagonistas Rose McIver e Utkarsh Ambudkar afinados e atentos ao tempo sutil do humor e do drama, encerra-se na segunda temporada, mas assinantes do Paramount+ podem acompanhar o terceiro segmento da série, que lembra “Beetlejuice: Os Fantasmas Se Divertem” (1988), o clássico da comédia macabra de Tim Burton, mas conserva sua personalidade por meio de diálogos tão incômodos quanto necessários.
Série: Fantasmas
Criação: Joe Port e Joe Wiseman
Anos: 2021-2024
Gênero: Comédia macabra
Nota: 8/10