Gangsters podem carregar traços inesperadamente comuns, serem sujeitos que se apaixonam com devoção e insistência até conquistarem a mulher desejada ou manterem segredos íntimos que jamais os afastariam de sua reputação violenta e das brutalidades que impõem. Essa é a essência do sombrio thriller dirigido por Brian Helgeland, cineasta de Providence, que disseca a trajetória dos gêmeos Ronald (1933-1995) e Reginald Kray (1933-2000), figuras centrais no crime organizado londrino dos anos 1960. No controle do submundo, os irmãos espalharam medo e influência com uma presença que oscilava entre o carisma e a ameaça.
“Lendas do Crime” carrega ecos de “Los Angeles — Cidade Proibida” (1997), obra que rendeu um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado a Helgeland. Mas enquanto o longa de Curtis Hanson pintava a Cidade dos Anjos com tons quentes e sensualidade latente, aqui a narrativa se desenrola sob um véu de trevas ininterruptas. A fotografia de Dick Pope abraça essa escuridão, intensificando o clima opressivo de um enredo que se desenha sem mistérios, mas com um peso que se impõe a cada cena, substituindo o suspense pela melancolia de um destino selado desde o primeiro ato.
Ronnie e Reggie já eram lendas urbanas antes mesmo de cometerem os crimes que lhes seriam atribuídos. A história se desenrola sob a perspectiva de Frances Shea (1944-1967), esposa de Reggie, cuja narração não apenas guia a trama como também transforma sua própria existência no verdadeiro mistério do longa. Adaptado de “A Profissão da Violência: A Ascensão e Queda dos Gêmeos Kray” (1972), livro do britânico John Pearson (1930-2021), que também assina o roteiro, o filme dedica parte significativa de seus 132 minutos à presença de Frances. Sua trajetória, por vezes silenciosa, revela nuances que vão além do universo dos gângsteres, tornando-se o elemento mais imprevisível de uma narrativa linear sobre criminosos que há muito figuram no imaginário popular.
Tom Hardy conduz uma interpretação marcante, alternando sem esforço entre a imponência de Reggie e a complexidade de Ronnie, cuja homossexualidade discreta jamais compromete sua postura de líder implacável. Emily Browning, por sua vez, dá vida a uma Frances que evolui de jovem ingênua a peça-chave da trama. O desfecho não se esquiva de detalhar o destino dos irmãos: Reginald, solto por razões médicas, morre de câncer pouco depois, em 2000, enquanto Ronald, diagnosticado com esquizofrenia paranoide, passa seus últimos dias no Hospital Psiquiátrico Broadmoor, falecendo de ataque cardíaco em 1995. Dois destinos selados, mas não esquecidos, pois seu legado persiste nas sombras de uma Londres que jamais os apagou completamente.
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