O homem que salvou 669 crianças — e o mundo quase esqueceu: Anthony Hopkins no filme emocionante do Prime Video Divulgação / See Saw Films

O homem que salvou 669 crianças — e o mundo quase esqueceu: Anthony Hopkins no filme emocionante do Prime Video

Em 1988, Nicholas Winton (1909-2015) ocupa discretamente um assento na plateia do programa “That’s Life!”, transmitido pela BBC One entre 1973 e 1994, conhecido por abordar temas voltados ao consumidor. O que ele desconhece é que está cercado por adultos que, décadas antes, eram crianças resgatadas por sua intervenção decisiva durante o horror nazista. Somente na conclusão de “Uma Vida — A História de Nicholas Winton” essa revelação ganha forma, encerrando o relato de James Hawes sobre a atuação de um corretor da Bolsa de Valores londrina que, em meio à iminência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), assume a responsabilidade de salvar crianças judias em Praga, capital da então Tchecoslováquia.

O roteiro, assinado por Lucinda Coxon, Nick Drake e Barbara Winton (1953-2022) — filha do protagonista —, guia Hawes por um enredo que transcende qualquer ficção. Seus pais, Barbara Wertheimer (1888-1978) e Rudolph Wertheim (1881-1937), fugiram de Nuremberg, na Alemanha, para a Inglaterra, onde alteraram o sobrenome em busca de integração. Ironia do destino, quando tantos ansiavam pela segurança britânica, Winton voltou-se para os que não tinham para onde correr. A invasão da Tchecoslováquia por Hitler, após o descumprimento do Pacto Molotov-Ribbentrop com a União Soviética, em 23 de agosto de 1939, tornou inviáveis os trens Kindertransport, que, na Alemanha e na Áustria, transportavam crianças refugiadas para territórios seguros. O terror atingia sua expressão mais cruel.

O rosto sereno de Anthony Hopkins emerge nos estúdios da BBC One, onde a narrativa recua à juventude de Winton. No fim dos anos 1930, sua trajetória no setor financeiro ganha impulso, enquanto Hawes, entre cenas de sua rotina profissional, destaca as contradições do protagonista: um judeu convertido ao cristianismo, declarado agnóstico, e um operador de mercado com tendências socialistas. Johnny Flynn estabelece um contraponto essencial a Hopkins, sustentando a complexidade de um homem determinado a enfrentar a impenetrável burocracia britânica e dos países de trânsito das crianças, arcando com as cinquenta libras — hoje equivalentes a dez mil dólares — exigidas para cada menor aceito na nova terra.

Helena Bonham Carter, como Barbara Wertheimer, encarna a mãe do protagonista com especial intensidade, destacando-se na cena em que cola fotografias das crianças nos passaportes. O drama se intensifica quando o nono trem, previsto para partir em 1º de setembro de 1939, data do início oficial da guerra, é interceptado pelos nazistas, ampliando a dimensão do horror e da perda. Cada obstáculo reforça a humanização de Winton, que, já idoso, só parece compreender a magnitude de seus atos ao reencontrar, no talk show, aqueles cujas vidas resgatou da aniquilação.

Ainda que tenha menos tempo de tela do que poderia, Hopkins estabelece uma parceria eficiente com Flynn e retorna para o desfecho, que, embora grandioso, não suaviza a natureza discreta do homem retratado. A longevidade de Winton foi um sopro de esperança para as 669 crianças que ajudou a escapar da máquina de extermínio nazista, muitas das quais, diante das câmeras do programa, provavelmente viram naquele encontro um epílogo que nunca imaginaram ter.

Filme: Uma Vida — A História de Nicholas Winton
Diretor: James Hawes
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★