À medida que os anos avançam, a estatura artística de Sergio Leone (1929-1989) se impõe com ainda mais nitidez. O cineasta dominou como poucos a arte de transformar a paisagem árida do Velho Oeste em um palco de beleza brutal, onde homens endurecidos travam dilemas morais incontornáveis, paixões se perdem entre barreiras geográficas e sociais, e a lei, frágil como um fiapo de poeira, cede facilmente à voracidade de quem deseja ampliar sua fortuna, custe o que custar.
Entre as realizações de Leone, nenhuma talvez tenha articulado com tamanha destreza a dilatação do tempo e a carga dramática quanto “Era uma Vez no Oeste”. O filme se desenrola com uma cadência paciente, permitindo que cada conflito se estabeleça sem pressa, emoldurado pelo roteiro elaborado com Dario Argento e Sergio Donati (1933-2024). No centro dessa jornada está um Oeste onde os destinos se entrelaçam ao sabor da ambição e da vingança, em um mosaico de intrigas que se revelam aos poucos, conduzindo o espectador a um turbilhão narrativo que só se completa na segunda metade.
O esmero visual de Leone encontra eco na música de Ennio Morricone (1928-2020), cuja trilha sonora pontua os momentos de tensão e os breves respiros de alívio com precisão cirúrgica. Entre disparos, pactos quebrados, emboscadas e vinganças há muito gestadas, a atmosfera se molda à expectativa do público, ora conduzindo-o à especulação, ora induzindo-o ao erro. A sucessão de traições, paixões proibidas e reviravoltas encontra seu ponto de convergência no limiar do primeiro para o segundo ato, quando a estrutura caótica e meticulosa do diretor revela sua engenhosidade máxima, esticando cada fio narrativo até o limite.
Na linha de frente, Jill McBain, interpretada por Claudia Cardinale, se torna o epicentro de um jogo de poder que envolve fazendeiros vorazes e aventureiros determinados a juntar prazer e lucro. Vinda de um passado nebuloso, a personagem se casa com Brett McBain (Frank Wolff, 1928-1971) e parece encontrar algum sentido naquele território isolado de Utah. No entanto, a morte do marido a coloca no centro de uma disputa feroz, onde interesses financeiros e desejos pessoais se entrelaçam em uma dinâmica que desafia o destino da cidade e de seus habitantes.
Ainda que o filme não tenha sido concebido com foco em sua protagonista — um episódio nos bastidores revela que Cardinale ameaçou sair da produção caso Leone insistisse em uma tomada invasiva —, sua presença acaba por definir o ritmo e a intensidade das atuações ao seu redor. A força da personagem reverbera no embate entre Charles Bronson (1921-2003), como o enigmático Homem da Gaita, e Henry Fonda (1905-1982), na pele do impiedoso Frank, especialmente no duelo climático que encerra o longa. Dessa forma, sem planejar, Leone fez de “Era uma Vez no Oeste” um marco que, mesmo nas amarras do western spaghetti, apontava para um horizonte renovador.
★★★★★★★★★★