Se interpretar um super-herói representa o auge da trajetória de um ator, Ryan Gosling pode se considerar plenamente realizado. Reconhecido como um dos nomes mais versáteis de sua geração, ele transitou com maestria por gêneros distintos, de “La La Land: Cantando Estações” (2016), dirigido por Damien Chazelle, à intensidade sombria de “Drive” (2011), sob o comando do dinamarquês Nicolas Winding Refn. Essa trajetória diversificada lhe confere passe livre para encabeçar projetos ambiciosos, como “Agente Oculto” (2022), uma investida da Netflix que se destaca tanto pelo elenco estrelado quanto pelo vultoso investimento.
A escalação de atores do calibre de Gosling sugere um movimento estratégico das plataformas de streaming para conferir legitimidade a suas produções. Se essa prática se consolidar como um padrão, poderá indicar a intenção de transformar esses filmes em produtos não apenas grandiosos, mas também relevantes do ponto de vista artístico. O desafio, no entanto, reside na busca por um equilíbrio entre sofisticação e acessibilidade, um dilema cada vez mais evidente na indústria do entretenimento, que tenta conciliar apelo popular com ambições elevadas.
Sob a direção de Anthony e Joe Russo, “Agente Oculto” recebeu um orçamento robusto de US$ 200 milhões, tornando-se o filme mais caro produzido pela Netflix até então. Baseado no romance de estreia de Mark Greaney, publicado em 2009, o longa se apoia mais no carisma do elenco do que na complexidade do enredo para consolidar seu espaço no gênero de espionagem. Essa estratégia se revela acertada, ainda que a narrativa não se afaste muito de convenções estabelecidas.
Gosling interpreta Sierra Six, um agente recrutado para missões clandestinas após ter sua sentença reduzida por Donald Fitzroy (Billy Bob Thornton). Quando passa a atuar sob as ordens de Denny Carmichael (Regé-Jean Page), recebe a tarefa de eliminar Lloyd Hansen (Chris Evans), um ex-operativo da CIA que, agora no setor privado, utiliza seus conhecimentos para manipular informações sigilosas. A entrada de Evans em cena acontece no momento exato em que o roteiro de Christopher Markus, Joe Russo e Stephen McFeely corria o risco de resvalar para um thriller genérico. Seu personagem injeta um cinismo exacerbado na trama, pontuado por insinuações que dão a entender um passado ambíguo entre ele e o protagonista.
A tensão entre Six e Hansen cresce progressivamente, levando a confrontos que testam os limites do protagonista. Sem apoio de Carmichael, que encontra um destino prematuro, cabe a Six decifrar o real alcance das ameaças que pairam sobre o equilíbrio político internacional. Paralelamente, Dani Miranda (Ana de Armas) desempenha um papel coadjuvante que, embora tenha potencial, permanece à sombra da atuação principal de Gosling.
Um dos elementos utilizados pelos diretores para ampliar o apelo do filme é a relação entre Six e Claire (Julia Butters), filha sequestrada de Fitzroy. A dinâmica entre os dois permite nuances adicionais ao protagonista, cuja rigidez inicial cede espaço para um envolvimento emocional mais profundo. Esse vínculo também funciona como um contraponto à relação implícita com Hansen, delimitando de vez o lado em que Six se posiciona. No final das contas, “Agente Oculto” configura um modelo de herói que, ainda que envolto em exageros, encontra respaldo no carisma de Gosling para sustentar a narrativa.
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