Quando a realidade e a ficção disputam atenção em Hollywood, não raro a lenda se sobrepõe aos fatos. Diz-se que Eddie Murphy nutria o desejo de encontrar uma mulher que o enxergasse além da fortuna e da fama, alguém que o amasse pelo que ele realmente era. Para tanto, acreditava que apenas em uma comunidade tribal africana poderia existir alguém assim. Esse anseio pelo amor ideal encontrou eco em seu especial “Eddie Murphy — Sem Censura” (1987), dirigido por Robert Townsend. No ano seguinte, ele transportou essas fantasias para “Um Príncipe em Nova York”, comédia que dividiu opiniões por sua mistura de vaidade e provocação, criando um retrato ora jocoso, ora revelador, de um homem em busca de algo mais genuíno que o privilégio.
Akeem, príncipe herdeiro do fictício reino de Zamunda, sente-se desconectado do mundo real. Aos 21 anos, desfruta de um luxo que poucos podem imaginar, incluindo criadas encarregadas de suas higienes mais íntimas — um detalhe que gerou polêmicas tão controversas quanto a própria sátira do filme. Ao lado dos roteiristas David Sheffield e Barry W. Blaustein, Murphy desafia as convenções do estúdio, contando com o respaldo do diretor John Landis para driblar imposições, como a inclusão do comediante Louie Anderson no elenco. Mais harmônica é a dinâmica entre Murphy e Arsenio Hall, que interpreta Semmi, fiel escudeiro incumbido de zelar pelo príncipe a mando do rei Jaffe Joffer, vivido por James Earl Jones. Em uma decisão que revela sua ingenuidade juvenil, Akeem escolhe o bairro do Queens para se estabelecer, apostando que, pelo nome, ali encontraria sua futura rainha. Os anos 1980 comportavam esse tipo de ingenuidade.
Diante de tantas transformações culturais, é incerto afirmar se “Um Príncipe em Nova York” resistiu bem ao tempo ou se foi tragado pelo revisionismo social. Talvez a maior dúvida seja se ainda provoca riso genuíno ou se se tornou um artefato datado. Revisitar um filme quatro décadas depois exige encarar não só mudanças externas, mas também a forma como envelhecemos junto a ele. Para alguns, essa jornada pode parecer incômoda; para outros, a nostalgia carrega um encanto irresistível. No caso de Eddie Murphy, sua habilidade de evocar essa memória coletiva é, em si, um feito digno de nota. E, se o cinema é também um refúgio contra as incertezas da vida, há momentos em que nada soa mais reconfortante do que voltar a uma velha comédia e deixar-se levar por suas incongruências e acertos.
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