Desconstruindo o baixo astral com Machos Alfa, na Netflix Manuel Fiestas / Netflix

Desconstruindo o baixo astral com Machos Alfa, na Netflix

Passei em frente a uma clínica de saúde masculina — a maior do Brasil, de acordo com o slogan — na qual um outdoor divulgava tratamentos variados para transtornos masculinos desagradáveis, como a impotência sexual, a ejaculação precoce e a falta de desejo sexual. O anúncio destacava também, em letras garrafais, uma terapia inovadora de prolongamento peniano com pagamento parcelado, a se perder de vista. “Seu pênis aumentado ou o seu dinheiro de volta”. Parecia imperdível como um cavalo passando arreado na frente da gente.

Enquanto descia a avenida com o pinto murcho e um livro de poemas enfiado no sovaco, fiquei matutando como é que alongavam o pênis de um sujeito. Até então, eu só conhecia a forma arcaica convencional, ou seja, a masturbação. Será que instruíam o indivíduo combalido a amarrar na glande um contrapeso, tipo uma pera, um tijolo ou até mesmo uma melancia? Ou atavam um elástico na ponta do “membro” — codinome terrível para pênis — e a outra extremidade num dos pés, para que o “moribundo” fletisse e defletisse, como se estivesse dirigindo um automóvel, uma camioneta, por exemplo? Carros grandes, pintos pequenos.

Nas revistas pornográficas de antigamente, além da divulgação de bonecas infláveis, argolas penianas para prolongar o prazer e vaginas portáteis de todas as matizes e texturas, sempre se via a propaganda de alongadores penianos à vácuo, certos tubos de acrílico nos quais o cidadão introduzia o falo tímido, macambúzio e humilhado, a fim de que ele fosse inflado como a câmara de ar do pneu da bicicleta até atingir o bojo requerido para uma rola digna, portentosa, elegante e funcional. Qual seria, contudo, a bitola padrão de um pênis humano respeitável? Isso a Globo não dizia. E continua não dizendo, até porque não existe uma resposta plausível, assim como a misteriosa localização do Ponto G no complexo abecedário da genitália feminina.

Alguns quarteirões adiante, me deparei com um salão de beleza que oferecia um portfólio variado de cuidados estéticos para o mulherio, tais como manicure, pedicure, cava rasa, cava funda e apliques para o alongamento dos cabelos. Todo mundo parecia, de certa forma, disposto a esticar alguma parte do corpo humano, para encurtar o caminho até a felicidade. Tarde demais para mim. Uma vez que eu já me sentia suficientemente realizado, apesar da calvície irreversível e da dimensão genital pouco generosa, relevei as ofertas do mercado e segui direto para casa.    

Ufa! Finalmente, descobrira a causa principal da minha insônia: os telejornais noturnos. Passei a dormir melhor desde que parei de assisti-los. Era muita desgraça acumulada para atazanar o sono de um homem frouxo como eu. Desde a descoberta do efeito nocivo das más notícias sobre o sistema límbico, optei pelo sexo, pelos livros, pelo violão e pelas plataformas de streaming, não necessariamente nessa ordem. Estava particularmente convicto de que transar, ler, cantar e sorrir eram os melhores remédios para extravasar as tensões.

É claro que eu desafinava. Já não era tão simples sustentar uma ereção. Aliás, andava difícil à beça garimpar bons filmes nos canais de TV por assinatura. Por puro comodismo — adoro uma zona de conforto — demorei para aderir aos seriados que, no meu ponto de vista, nada mais eram do que uma modalidade de novela, só que mais dinâmicos e mais objetivos. Não tinha lenga-lenga. Capítulo a capítulo, as coisas realmente aconteciam. Portanto, sentia-me grato sempre que alguém me indicava um verga-tesa ou um seriado que valia a pena ser assistido, pois não faltavam porcarias. É claro que evitava temas como violência, drama, guerra e terror, pelos mesmos motivos que não via os telejornais da noite.

Descobri “Machos Alfa” — Alpha Males — na Netflix, por acaso. Creio que fui fisgado pelo título. Trata-se de uma série espanhola de comédia cuja trama permeia o cotidiano caótico e hilariante de quatro amigos inseparáveis — Pedro, Luís, Raul e Santi — os quais encontram-se perdidos, afetados pelos dilemas da maturidade, em especial, “as nefastas consequências do empoderamento feminino sobre o universo masculino”.

Os atores são ótimos e as personagens, impagáveis; a ponto de o quarteto de quarentões admitir que necessitava passar por mudanças drásticas na sua essência machista, para melhorar as relações quase sempre tempestuosas com esposas, namoradas e colegas de trabalho. As tentativas de transformação começam já na primeira temporada, quando Santi, o menos ogro do grupo, convence os demais a se inscreverem num curso para homens, no qual um coach descolado ensina o beabá da “desconstrução da masculinidade tóxica”.

Ao longo das três temporadas de “Machos Alpha”, o seriado diverte e, por que não, entrega-nos reflexões indispensáveis sobre machismo, feminismo, comportamento, além de inevitavelmente “desconstruir” certos pré-conceitos dos telespectadores, ao expor de forma burlesca as dificuldades reais dos adultos em se adaptar às irrefutáveis mudanças relacionais do mundo contemporâneo.

Enfim, “Machos Alfa” é um seriado divertidíssimo que faz piada de forma inteligente e não panfletária sobre a turbulenta relação entre homens e mulheres, com foco na quebra de paradigmas arraigados no seio de uma sociedade patriarcal que esperneia e que resiste às mudanças. Já faz tempo que o machismo broxou. Quem ainda não compreendeu a premissa de igualdade entre os gêneros vai continuar sofrendo e “pagando mico” ao supor, por exemplo, que o alongamento do pênis seja uma saída. Definitivamente, tamanho não é documento. Assim como na poesia, o que realmente conta é o verbo. As palavras têm poder.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.