Se sua noite pede um filme leve e irresistível, essa comédia romântica da Netflix é a resposta Divulgação / Netflix

Se sua noite pede um filme leve e irresistível, essa comédia romântica da Netflix é a resposta

O cinema romântico, sobretudo no contexto asiático, sempre flertou com o desmedido. Seu fascínio por histórias que desafiam a lógica e elevam o amor ao patamar de epopeia é uma marca registrada do gênero, e “A Garota Mais Linda do Mundo” abraça essa tradição sem reservas. No entanto, sua maior virtude reside não na fidelidade a essas convenções, mas na maneira como as subverte sem jamais perder o encanto. O que poderia ser apenas mais uma comédia romântica embalada por artifícios exagerados e personagens unidimensionais se revela um estudo inesperadamente sofisticado sobre desejo, identidade e a maneira como o amor é construído — ou imposto — dentro das expectativas sociais.

A premissa, em si, já é um espetáculo à parte: Reuben, herdeiro despreocupado de um império midiático, se vê subitamente diante de uma condição absurda imposta pelo próprio pai. Para garantir seu lugar nos negócios da família, precisa encontrar e se casar com “A Garota Mais Linda do Mundo” em um prazo de seis meses. Para determinar quem merece esse título, um reality show é criado, estabelecendo um cenário que poderia facilmente se limitar à caricatura. Mas o filme, ciente da própria extravagância, se recusa a seguir o caminho óbvio. Ele não apenas brinca com as expectativas do espectador, mas desmonta sua premissa inicial em tempo hábil para permitir que algo mais significativo tome forma.

É um artifício narrativo inteligente: em vez de transformar o programa televisivo no cerne da história, a produção o dissolve na primeira metade do filme, praticamente descartando a ideia de que a trama giraria em torno de um espetáculo superficial. O reality show se torna apenas um ponto de partida para uma exploração mais íntima, conduzida por personagens que desafiam as funções que parecem ocupar inicialmente. Esse desvio de rumo não apenas revigora a história, como também a liberta das amarras de um enredo previsível, permitindo que suas verdadeiras intenções se revelem.

Nesse contexto, a presença de Kiara se torna fundamental. Assistente de produção ambiciosa e pragmática, ela não se encaixa no papel tradicional da mocinha romântica. Seu foco está longe de ser o amor ou qualquer idealização de um relacionamento perfeito; sua única preocupação é garantir estabilidade financeira e concretizar seu grande objetivo: comprar sua casa própria. A ironia do destino a coloca diretamente no caminho de Reuben, e o embate entre os dois impulsiona a narrativa de maneira envolvente. A dinâmica “de inimigos a amantes” nunca sai de moda, mas sua execução aqui é sutilmente diferenciada. O que os une não é um conflito baseado em oposições superficiais, mas um embate de visões de mundo.

A história poderia se sustentar apenas nessa relação crescente entre os protagonistas, mas mais uma vez o roteiro opta por desviar de obviedades. Quando um evento inesperado os isola em uma ilha deserta, o filme abandona completamente qualquer vestígio de sua estrutura original e mergulha em uma abordagem que coloca seus personagens diante de uma experiência transformadora. Nesse cenário, a desconstrução de Reuben acontece sem pressa e sem imposição. Ele não precisa se redimir através de gestos grandiosos, nem Kiara se vê obrigada a “curá-lo” de sua arrogância. O que ocorre é um amadurecimento orgânico, resultado da convivência forçada e do reconhecimento de suas próprias limitações.

Boa parte do êxito desse desenvolvimento se deve às atuações. Reza Rahadian, no papel de Reuben, evita os maneirismos típicos do “bilionário insuportável”, conferindo ao personagem uma vulnerabilidade que o torna mais humano do que caricatural. Sua trajetória não é a de um homem que aprende a amar, mas a de alguém que descobre um significado diferente para sua própria existência. Kiara, interpretada por Sheila Dara Aisha, também escapa das armadilhas do arquétipo da “mulher forte e independente”. Sua relutância em se envolver não é um mero traço de personalidade, mas uma escolha consciente, baseada em prioridades que fazem sentido dentro de sua realidade. O filme não a força a renunciar a seus princípios, mas a permite questioná-los de maneira genuína.

Se há algo que poderia ser ajustado, é a duração do filme. Algumas sequências se alongam mais do que o necessário, e certos momentos poderiam ser mais enxutos sem comprometer a profundidade emocional da história. No entanto, a estética vibrante, a trilha sonora bem escolhida e a naturalidade do roteiro garantem que o ritmo permaneça envolvente o suficiente para manter o interesse do público.

“A Garota Mais Linda do Mundo” não busca reinventar o gênero, mas compreende suas convenções com precisão cirúrgica. Ao invés de apenas replicá-las, brinca com elas, desmonta expectativas e constrói algo que, embora familiar, se distingue pelo cuidado com os detalhes e pela inteligência com que conduz sua narrativa. Não é apenas um romance, mas um jogo de ilusões — sobre como a beleza é definida, como o amor é negociado e, sobretudo, sobre o que resta quando as aparências deixam de importar.

Filme: A Garota Mais Linda do Mundo
Diretor: Robert Ronny
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★