Embora eu não seja especialista na obra de J.R.R. Tolkien, é impossível ignorar a presença imponente de Gandalf como o eixo central dos eventos que moldam a Terra-média. Seja nos livros, filmes ou na série “Os Anéis do Poder”, sua figura transcende a de um mero guia ou conselheiro, consolidando-se como o verdadeiro catalisador das grandes transformações desse universo. E, enfim, na produção do Prime Video, sua identidade foi confirmada: Istar, o sábio andarilho, nomeado por muitos como Gandalf, cujo significado remete a um “elfo com uma varinha”.
Pode-se argumentar que “O Hobbit” gira em torno de Bilbo Bolseiro e que “O Senhor dos Anéis” tem Frodo como centro da jornada. No entanto, sem a interferência de Gandalf, nenhum deles teria deixado o Condado. É ele quem pressiona, aconselha e conduz os pequenos heróis a desempenhar papéis que nunca imaginaram assumir. Mais do que um mentor, ele orquestra alianças improváveis, unindo hobbits, anões, elfos e homens em uma frente comum contra Sauron. Sua visão não se prende à força bruta ou à dominação estratégica, mas sim à coragem e pureza daqueles que, em sua simplicidade, carregam o potencial de salvar o mundo.
As palavras de Gandalf ecoam não apenas como frases memoráveis, mas como princípios fundamentais dentro da obra de Tolkien. “Não são grandes poderes que destroem o mal, mas pequenos gestos de bondade” é um de seus ensinamentos mais marcantes. Ele entende que mesmo que exércitos de elfos e homens pudessem se unir para enfrentar Sauron, a verdadeira vitória não viria pela espada, mas pela força moral e pela resistência de corações íntegros. E é justamente essa filosofia que molda sua relação com os hobbits, enxergando neles uma resiliência e uma inocência capazes de frustrar os planos do Senhor do Escuro.
A encarnação de Gandalf na série, interpretada por Daniel Weyman, surge em um estado de vulnerabilidade. Enfraquecido e sem memória, sua conexão instintiva com os pés-peludos — ancestrais dos hobbits — se manifesta de imediato. Nori (Markella Kavenagh) e Poppy (Megan Richards) exercem um papel essencial em sua jornada, ajudando-o a se encontrar e a escapar do domínio do Mago Sombrio (Ciarán Hinds), cuja identidade permanece um mistério. No cânone de Tolkien, há cinco magos conhecidos: Saruman, Gandalf, Radagast e os enigmáticos magos azuis, Alatar e Pallando, pouco explorados na mitologia. Como os roteiristas já indicaram que o Mago Sombrio dificilmente será Saruman, as teorias sugerem que pode tratar-se de um dos misteriosos magos azuis.
A segunda temporada da série custou cerca de 450 milhões de dólares, elevando o orçamento total para mais de um bilhão, o que a posiciona como a produção televisiva mais cara da história. E, ao longo desse investimento colossal, testemunhamos a queda de dois personagens cruciais da Terra-média diante da sedução dos anéis. Celebrimbor, o habilidoso ferreiro, é iludido por Sauron disfarçado de Annatar, que o convence de que os anéis seriam o único caminho para unificar os povos contra o mal. O artífice, deslumbrado pela ideia de ser o “Senhor dos Anéis”, logo percebe o engano, mas já é tarde demais. Em um gesto que carrega uma maldição implícita, ele rejeita o título e o concede a Annatar, selando assim o destino do antagonista. Como sabemos pelo desenrolar da saga, Sauron acaba escravizado por sua própria obsessão, e o Anel Único se torna sua perdição definitiva em “O Retorno do Rei”.
A destruição de Eregion acompanha a queda de Celebrimbor. Sua cidade, arrasada pela guerra contra os orcs, se torna palco de um dos momentos mais trágicos da narrativa. Outra perda significativa é a de Durin III (Peter Mullan), o rei dos anões, que cede à tentação do anel forjado por Celebrimbor sob a influência de Sauron. Sua ambição o leva a explorar as profundezas da Montanha Solitária, despertando uma criatura aterradora: um Balrog, ser de sombras e fogo, cujo confronto com Gandalf mais tarde ficaria eternizado pela célebre frase “Você não passará!”. O sacrifício de Durin III para salvar seu filho, o Príncipe Durin IV (Owain Arthur), encerra sua trajetória de forma dramática, ilustrando o preço da cobiça.
No embate final da temporada, Galadriel (Morfydd Clark) confronta Sauron (Charlie Vickers). Desde sua chegada a Númenor, a elfa compartilha com o antagonista uma conexão peculiar. No passado, foi ela quem, sem perceber, facilitou sua libertação, mas nunca cedeu à corrupção. Sua presença se consolida como um dos principais obstáculos para os planos do Senhor do Escuro, tornando-se peça-chave na resistência contra seu domínio.
Visualmente, a série continua impressionando. Embora inevitavelmente remeta à estética estabelecida por Peter Jackson, os efeitos visuais são de altíssimo nível, entregando um espetáculo digno da grandiosidade da Terra-média. Se a primeira temporada se concentrou no desenvolvimento dos personagens e suas relações, a segunda aposta em um ritmo mais dinâmico, repleto de batalhas e sequências de ação, ampliando a dimensão épica da narrativa. O resultado é um equilíbrio entre construção dramática e momentos de impacto, garantindo uma experiência visualmente exuberante e narrativamente envolvente.
★★★★★★★★★★