Todo casamento tem um quê de jogo e de perigo. Nada pode ser mais clichê para um casal que enfrenta momentos difíceis na relação que saírem os dois, como os jovens apaixonados e inconsequentes que decerto foram um dia, meio sem rumo, à cata de um pretexto para tentar impedir o que já não vai bem de se esfacelar de vez. Relações são quase sempre pautadas por crises, e não é incomum encontrar homens e mulheres que digam serem adeptos de um súbito gelo a fim de que a chama do amor arda de novo, com mais força.
Por baixo de um problema aparentemente banal costuma haver outros, esses, sim, de resolução delicada, e portanto qualquer medida que não contemple mudanças profundas de parte a parte, com direito à investigação minuciosa de questões graves de um passado remoto que teima em voltar sob a forma de ondas de terror, há de ser inócua — e tanto pior se encarada por um único lado, como se o problema não atingisse a ambos, sem pena. Considerações dessa natureza deveriam estar na mira de Hanna e Samuel, os protagonistas de “Os Altos e Baixos do Amor”, uma prova de que, em se tratando de paranoias sentimentais, os escandinavos não ficam atrás de nenhuma outra gente. Bem a seu estilo, o sueco Staffan Lindberg conta uma história cheia de momentos nos quais o absurdo é a tônica, embora ninguém atreva-se a dizer que jamais tenha presenciado ou vivido algo semelhante. E então aquela insânia começa a fazer sentido.
Moradores de Estocolmo, Hanna e Samuel planejam celebrar suas bodas na bela Gotlândia. Tudo corre como ouro sobre azul, até que os dois passam a comunicar as próximas etapas aos pais, com reações diversas. Da mesma forma que a família de Hanna parece ainda incrédula com a decisão da moça, naquela ilha, a maior do mar Báltico, os parentes do noivo não veem a hora de conhecer sua escolhida, mas, nesse caso, atritos também não tardam a se mostrar. Se Martin, o pai de Hanna interpretado por Kjell Bergqvist, não esboça a menor preocupação quanto a garantir lugar no voo para a pequena herdade cercada de falésias calcárias da família de Samuel, onde vai acontecer a cerimônia, MajGun, a mãe dele, exerce sua intolerância de uma forma velada, mas não menos nociva.
Babben Larsson oscila de uma genuína megera, capaz de toda sorte de chantagem para obrigar a futura nora a usar a nationella dräkten, a vestimenta típica sueca, durante a troca de alianças, à matrona simplória, aparentemente gentil. O diretor-roteirista é hábil ao manejar os sentimentos que a plateia venha a nutrir por Hanna e Samuel, nessa ordem, preparando um desfecho orgânico, cuja veracidade impressiona. Matilda Källström e Charlie Gustafsson reservam boas surpresas num enredo formulaico, ajudados pelo primor da fotografia de Erik Nordlund, que torna mais suaves lacunas narrativas, mormente no segundo ato.
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