Quando “Segredos do Passado” estreou em 2021, o filme se tornou um fenômeno inesperado do cinema australiano, arrecadando 20 milhões de dólares no mercado local e conquistando elogios por sua atmosfera sufocante e um suspense sólido. Seu sucesso comercial e crítico o colocou em um seleto grupo de filmes do país que receberam continuações, algo raro na indústria cinematográfica australiana. Agora, três anos depois, Robert Connolly retorna à direção com “The Dry 2: Força da Natureza”, uma nova incursão no universo da autora Jane Harper, mas desta vez imersa em um cenário radicalmente diferente. Se o primeiro filme evocava uma tensão árida e desoladora, a sequência transpõe a narrativa para um ambiente úmido e claustrofóbico, onde a floresta não apenas abriga os mistérios da trama, mas se torna uma força ameaçadora, testando os limites dos personagens.
A trama se desenrola em três linhas temporais intercaladas, cada uma contribuindo para a construção de um mistério intrincado. No presente, o investigador federal Aaron Falk (Eric Bana) e sua parceira Carmen Cooper (Jacqueline McKenzie) chegam a uma floresta densa e impenetrável para desvendar o desaparecimento de Alice Russell (Anna Torv), uma executiva que se perdeu durante um retiro corporativo.
Ao mesmo tempo, flashbacks reconstruindo os dias anteriores revelam os desentendimentos, os medos e as dinâmicas de poder entre as cinco mulheres que partiram para a trilha, das quais apenas quatro retornaram. E, em uma adição que não estava no livro original, um terceiro arco narrativo resgata um trauma de infância de Falk: o desaparecimento de sua mãe na mesma região anos antes. Essa camada extra de profundidade emocional transforma a investigação não apenas em uma busca por respostas, mas em um confronto com a própria memória do protagonista.
O roteiro brinca com um dos arquétipos clássicos do suspense: o desaparecimento inexplicável em meio à natureza. A narrativa ecoa o enigma de “Piquenique na Montanha Misteriosa”, de Peter Weir, e o conto “Death by Landscape”, de Margaret Atwood, histórias em que o ambiente se torna um personagem ativo, engolindo aqueles que se aventuram além dos limites da segurança. No entanto, enquanto essas obras exploram um tom mais etéreo e misterioso, “The Dry 2: Força da Natureza” se ancora no realismo policial, onde cada pista encontrada nas folhas molhadas e no solo enlameado pode levar a uma verdade perturbadora. A fotografia de Andrew Commis acentua esse contraste, capturando a floresta como um labirinto verdejante que tanto esconde quanto expõe. As gotas d’água deslizando pelas folhas, os sons de passos esmagando a vegetação e o ruído distante de uma tempestade iminente reforçam a sensação de que a natureza, longe de ser um refúgio, é um elemento opressor.
Mas a narrativa não se limita ao suspense ambiental. O mistério em torno de Alice Russell vai além de sua mera ausência. Como informante em uma investigação financeira contra a corporação Bailey Tenants, onde trabalhava, ela estava em uma posição perigosa — e seu desaparecimento pode não ter sido um simples acidente. Dentro da dinâmica do grupo, Alice se destacava por sua personalidade implacável e impopular, tornando-se o epicentro dos conflitos que surgiram na trilha. Jill (Deborra-Lee Furness), esposa do CEO da empresa, carrega seu próprio peso de poder e responsabilidade. As irmãs Bree (Lucy Ansell) e Beth (Sisi Stringer) possuem uma relação marcada por ressentimentos latentes, enquanto Lauren (Robin McLeavy) carrega uma conexão difícil com Alice. Essa tensão entre as cinco mulheres sustenta boa parte da narrativa, explorando como pequenas fraturas interpessoais podem se tornar abismos intransponíveis quando a sobrevivência entra na equação.
A estrutura fragmentada da história, no entanto, impõe desafios. Em “Segredos do Passado”, o equilíbrio entre o presente e os flashbacks funcionava de forma orgânica, com cada revelação contribuindo para o mistério central. Aqui, a multiplicidade de arcos temporais nem sempre se desenvolve com a mesma fluidez. As constantes interrupções entre o presente, a expedição e o passado de Falk criam momentos de descompasso narrativo, fragmentando a tensão que deveria se intensificar à medida que o mistério avança. A decisão de incluir o trauma infantil de Falk adiciona uma camada emocional interessante, mas também levanta questionamentos sobre sua ausência no primeiro filme, onde nunca foi mencionada, apesar de ser um evento teoricamente definidor na vida do protagonista.
Além disso, algumas convenções do gênero pedem uma suspensão considerável da descrença. A ideia de que uma grande corporação permitiria que cinco mulheres inexperientes embarcassem em uma trilha sem guia, sem um telefone via satélite e com um mapa precário parece improvável. O próprio Falk, um investigador experiente, parece perder o foco da investigação ao se perder em suas memórias pessoais enquanto Alice ainda pode estar viva em algum lugar da floresta. Essas escolhas narrativas, embora compreensíveis dentro da lógica dramática do filme, podem enfraquecer a sensação de verossimilhança.
O que mantém a história ancorada é a presença magnética de Eric Bana. Sua interpretação de Falk continua a ser um dos maiores trunfos da franquia, oferecendo um detetive introspectivo e meticuloso, cujo envolvimento pessoal nos casos que investiga adiciona uma dimensão de vulnerabilidade raramente vista em personagens do gênero. Diferente dos detetives clássicos que operam à distância, Falk carrega cada caso como uma ferida aberta, e essa abordagem faz com que o público se importe com suas investigações para além do mistério imediato. A química entre Bana e McKenzie também adiciona um toque de humanidade ao filme, ainda que sua parceria pudesse ter sido mais explorada.
★★★★★★★★★★