O romance do século: a história que vai te tocar como nenhuma outra Divulgação / Focus Features

O romance do século: a história que vai te tocar como nenhuma outra

Poucas narrativas exploram tão profundamente a si mesmas quanto “Desejo e Reparação”, a adaptação cinematográfica do romance de Ian McEwan dirigida por Joe Wright. A sofisticação da escrita original se traduz no roteiro de Christopher Hampton, que conduz a trama por reviravoltas constantes até desembocar em uma transformação irreversível. O filme preserva meticulosamente o requinte do autor ao recriar a Inglaterra de 1935, cenário inicial de uma história que não se limita a uma única época ou espaço. A progressão da narrativa segue um dinamismo audacioso, alternando tempos e perspectivas sem ceder a convenções ou expectativas do público.

O jogo de temporalidade e linguagem cinematográfica empregado por Wright recorre amplamente à metalinguagem. Hampton destila da obra de McEwan o fio condutor da história, por vezes evidente, por vezes velado, imiscuído nas nuances de luz e na paleta de tons pastéis que Seamus McGarvey imprime à fotografia. No epicentro desse enredo está “As Provações de Arabella”, peça teatral concebida por Briony Tallis, cuja encenação se desenrola paralelamente ao fervilhante preparo de um jantar para dez convidados na casa da família.

Desde a primeira cena, Briony, vivida com notável maturidade por uma jovem Saoirse Ronan, assume o controle dos acontecimentos. Assim, não surpreende que ela seja também o motor da primeira grande convulsão da história. O que fascina, no entanto, é a maneira como Wright manipula cada elemento narrativo e visual com precisão cirúrgica. A cena em que Briony, distraída pelo zumbido insistente de uma abelha enquanto conversa com Lola Quincey (Juno Temple), exemplifica essa maestria. 

A chegada de Lola e dos gêmeos Jackson e Pierrot — enviados à casa dos Tallis em meio ao divórcio escandaloso de seus pais — cria um ambiente latente de tensão que, indiretamente, ressoa nos eventos subsequentes. Briony, num prenúncio da intensidade que Ronan entregaria anos depois em “Adoráveis Mulheres” (2019), observa da janela um momento de aparente cumplicidade entre sua irmã mais velha, Cecilia, e Robbie, funcionário da propriedade. Aquilo que vê — ou julga ver — será o estopim de uma cadeia de mal-entendidos e tragédias.

Keira Knightley e James McAvoy assumem o centro do palco à medida que a narrativa avança, protagonizando uma relação que se desenrola com a solenidade de um ritual nupcial jamais consumado. Cecilia, criada sob os rígidos moldes da aristocracia britânica, deveria ser o retrato da esposa ideal, moldada para desempenhar os papéis de mãe e dona de casa. No entanto, sua interação com Robbie revela algo mais: um reconhecimento mútuo da humanidade que transcende classes sociais. 

Em uma cena de rara delicadeza, as irmãs compartilham um instante de intimidade em um campo florido, onde Cecilia confidencia a Briony que, apesar da atração pelo jovem empregado, sente que suas origens diferentes os distanciam. Essa hesitação da irmã mais velha contribui para que Briony elabore uma fantasia sobre a conduta de Robbie — uma percepção distorcida que culminará na ruína do rapaz, associando seu nome a um crime que não cometeu. O envolvimento de Lola e Paul Marshall (Benedict Cumberbatch), um industrial cuja presença se torna cada vez mais inquietante, acrescenta camadas ao drama, levando a narrativa a um ponto de não retorno.

Quatro anos mais tarde, o terceiro ato do filme arrasta seus personagens para o cenário devastador da Segunda Guerra Mundial. Cecilia, Briony e Robbie agora enfrentam os horrores do conflito, imersos em uma espécie de penitência involuntária — cada qual expiando, de maneira distinta, as dores do passado. Wright utiliza a invasão da Normandia como um pretexto visual para uma reunião que, no entanto, não passa de uma ilusão. 

O público é levado a acreditar na possibilidade de reconciliação até que, em um salto temporal de seis décadas, Vanessa Redgrave surge como a versão envelhecida de Briony, finalmente revelando a amarga verdade: aquilo que parecia uma redenção tardia era apenas um acerto de contas literário. O que resta, ao final, não é apenas o peso de uma paixão destruída por impulsos juvenis, mas a incerteza sobre o verdadeiro caráter de Briony. Vilã arrependida ou manipuladora consciente? Indigna de confiança, mas talvez merecedora de absolvição, sua história permanece uma das mais perturbadoras e fascinantes já narradas no cinema.

Filme: Desejo e Reparação
Diretor: Joe Wright
Ano: 2007
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★